O ser humano evolui, passando pela infância, adolescência e fase adulta. No entanto, muitas faculdades de design continuam tratando os estudantes adultos, de design, como se ainda fossem crianças, usando as mesmas técnicas didáticas que se usavam no ensino fundamental e no ensino médio. Alguns professores chegam a se orgulhar do uso de técnicas "pedagógicas". Isso só revela sua ignorância no assunto, pois a palavra pedagogia se refere ao ensino de crianças (pedagogia vem de paidós = criança).
Nesse artigo vou abordar o tema do ensino do design, sob o ponto de vista do ensino de adultos. Para isso, irei me basear no artigo escrito pelo professor e médico Roberto Cavalcanti, fazendo alguns comentários e aplicando as informações no dia-a-dia das faculdades de design.
As características do estudante adulto de design
Segundo Malcolm Knowles*, ao contrário das crianças, o estudante de design adulto:
* É independente (não gosta de ficar dependendo dos outros).
* Tem experiência de vida (não é apenas um cérebro vazio esperando para ser preenchido com regrinhas de design).
* Interessa-se em desenvolver habilidades para usar no design.
* Quer aprender algo que possa aplicar imediatamente, no dia-a-dia de um designer.
* Quer aprender para resolver problemas reais de design e não simplesmente "aprender por aprender", ou porque papai mandou.
* Tem motivações internas (auto-realização, vencer desafios, por ex.) e menos motivação externa (estudar para ganhar nota).
Sob esse ponto de vista, podem-se apontar as principais diferenças entre pedagogia (tratar estudantes de design como crianças) e andragogia (tratar como adultos), conforme a tabela a seguir:
Características da Aprendizagem
Pedagogia
Andragogia
Relação Professor/Aluno de Design
O professor de design é o centro das ações, decide o que ensinar, como ensinar e avalia a aprendizagem
A aprendizagem adquire uma característica mais centrada no aluno de design, na independência e na auto-gestão da aprendizagem. O estudante quer conduzir os rumos do seu próprio estudo.
Razões da Aprendizagem
O aluno de design deve aprender o que a sociedade espera que saibam (seguindo um curriculo padronizado)
Pessoas aprendem o que realmente precisam saber. Neste caso, os estudantes de design não gostam de ficar aprendendo coisas inúteis, que não sabem onde vão usar ou que não tem relação nenhuma com o design em si.
Experiência do Aluno de Design
O ensino é didático, padronizado e a experiência do aluno tem pouco valor. Os alunos de design aprendem as mesmas coisas e saem todos iguais no final da faculdade.
A experiência é rica fonte de aprendizagem, através da discussão e da solução de problemas em grupo. O aluno pode escolher as matérias que quer estudar, dando ênfase ao que mais lhe interessa (unindo design e música, design e mangá, design e a Bíblia etc).
Orientação da Aprendizagem
Aprendizagem por assunto ou matéria.
Aprendizagem baseada em problemas, exigindo ampla gama de conhecimentos para se chegar a solução. Ao invés de pedir um "trabalho sobre teoria da cor", o professor pede que os alunos resolvam um problema da vida real, usando o conhecimento sobre cores (Qual a relação entre a cor na sinalização de um carro e a temperatura dessa uma superfície? Como a tipografia afeta a leitura de uma placa de trânsito?)
Como usar os princípios da andragogia para melhorar o ensino do design?
A seguir, são apontadas algumas sugestões que podem melhorar o ensino dos estudantes das faculdades de design, no Brasil:
Tirando proveito da Experiência Acumulada pelos Alunos. Não trate os alunos de design como se a falta de conhecimento em design significasse falta de conhecimento em tudo. Ele pode saber pouco de design, mas pode saber muito sobre cultura geral, história, quadrinhos, internet, tecnologia, religião, política. Use esse conhecimento para ajudar os alunos a criar pontes com o que já sabem e deixá-los motivados. Uma forma de fazer isso é fazendo uma pesquisa no começo do ano e perguntando ao aluno quais são os assuntos que lhe interessam, o que eles conhecem sobre outras áreas, e planeje sua aula levando isso em conta.
Propondo Problemas, Novos Conhecimentos e Situações sincronizadas com a Vida Real. Procure aplicar o design no cotidiano dos alunos, trazendo problemas reais, briefings verdadeiros, levando os alunos para a rua e mostrando como o design pode resolver problemas que eles nunca imaginaram. Por exemplo, colocar o valor da moeda dos dois lados evita que na hora de receber o troco seja preciso desvirar a moeda para saber o valor dela. Multiplique isso por cada pessoa, em cada fila, em cada caixa, no país inteiro, e veja o tempo que seria poupado (aprendi isso com o prof. Sawada). Ou ainda, a cor pode resolver um problema de contraste que impede que uma placa ser lida à distância ou uma mudança de material pode eliminar um reflexo que dificulte a visualização.
Justificando a necessidade e utilidade de cada conhecimento. Não fique enchendo linguiça ou dando conteúdo só porque "todo mundo ensina isso" ou porque "eu aprendi isso na faculdade, mesmo sem saber pra que serve, logo tenho que repetir esse conteúdo também". Se você não sabe porque um assunto é ensinado, procure descobrir, ou então pule essa parte, pois se nem você entende para que serve aquele conceito de design, não vai haver milagre que faça seus alunos adivinharem isso. Aprenda primeiro, entenda o que você vai ensinar e daí mostre qual a utilidade desse conhecimento no dia-a-dia do designer.
Tirando proveito da Experiência Acumulada pelos Alunos. Faça os alunos de design colocarem para fora suas experiências e trocarem informações entre si, por meio de atividades práticas como discussões de grupo, exercícios de simulação, aprendizagem baseada em problemas e discussões de casos. Como o design é uma atividade multidisciplinar, ele é amplamente beneficiado de conhecimentos vindo dos alunos e de outras áreas do conhecimento. Se a aula não for planejada levando isso em conta, os alunos não terão como contribuir com o que já sabem, empobrecendo o ensino do design.
Estimulando e utilizando a Motivação Interna para o Aprendizado. Ao invés de motivar o aluno de design dizendo que se ele fizer o trabalho vai tirar uma nota mais alta, ou se não fizer, vai tirar uma nota mais baixa explore motivações mais fortes como ficar satisfeito pelo trabalho realizado, melhorar a qualidade dos projetos de design, aumentar suas chances de obter um bom emprego, conseguir clientes melhores, salários mais altos, ou mesmo maior auto-estima.
O professor Cavalcanti ainda dá outras dicas sobre como ensinar alunos adultos (adaptadas aqui para o ensino do design):
* Estudantes de design não gostam de passar vergonha na frente de outras pessoas. Assim sendo, quando for pedir a opinião de um aluno, faça isso de modo a deixar claro que ele não será humilhado. Quando for fazer uma pergunta, não pergunte "quem sabe a resposta?", mas sim "quem pode iniciar uma resposta?", pois assim é menos intimidador.
* A sala de aula de algumas faculdades de design continua com o mesmo aspecto de salas do primeiro grau, ou seja, em fileiras. O ensino de adultos depende da discussão em pequenos grupos, e isso sugere uma forma diferente para dispor as cadeiras e mesas, ou seja, em pequenos grupos, ou em círculos.
* O Professor de design nunca deverá dizer que a resposta de um adulto está errada. Cada resposta sempre terá alguma ponta de verdade que deve ser trabalhada. O professor deverá se desculpar pela pergunta pouco clara e refazê-la de modo a aproveitar a parte correta da resposta anterior. Fará então novas perguntas a outros estudantes, de modo a correlacionar as respostas até obter a informação completa.
* Adultos de design podem se concentrar numa explanação teórica durante 07 minutos. Depois disso, a atenção se dispersa. Este período deverá ser usados pelo Professor para estabelecer os objetivos e a importância do assunto a ser discutido, enfatizar o valor deste conhecimento e dizer o quanto sente-se motivado a discutí-lo. Vencidos os 07 minutos, é tempo de iniciar uma discussão ou outra atividade, de modo a diversificar o método e conseguir de volta a atenção. Estas alternâncias podem tomar até 30% do tempo de uma aula teórica de design, porém permitem quadruplicar o volume de informações assimiladas pelos estudantes.
O professor Cavalcanti afirma ainda que
"nos Cursos Universitários, geralmente recebemos adolescentes como calouros e liberamos adultos como bacharelandos. Estamos portanto trabalhando no terreno limítrofe entre a pedagogia e andragogia. Não podemos abandonar os métodos clássicos, de curriculos parcialmente estabelecidos e professores que orientem e guiem seus alunos, nem podemos, por outro lado, tolher o amadurecimento de nossos estudantes através da imposição de um curriculo rígido, que não valorize suas iniciativas, suas individualidades, seus ritmos particulares de aprendizado. Precisamos encontrar um meio termo, onde as características positivas da Pedagogia sejam preservadas e as inovações eficientes da Andragogia sejam introduzidas para melhorar o resultado do Processo Educacional."
Se os professores de design, no Brasil, continuarem a achar que o modo de ensinar é o mesmo método pedagógico que foi usado com eles, enquanto eram alunos do primeiro e segundo grau, teremos muitos designers aprendendo pouco, sem motivação e sem fazer pontes com o que já conhecem. Pior ainda, vão se tornar profissionais medíocres, ganhando salários medíocres, sem conquistar o respeito que o design merece no Brasil. E com isso, todo mundo sai perdendo. Mas, se mais professores entenderem que o ensino de adultos é diferente, e levarem isso em conta na hora de planejar suas aulas, teremos a chance de evoluir o ensino do design no Brasil, com efeitos diretos na qualidade projetual, tanto a curto, médio e longo prazo. E todo mundo vai sair ganhando.
Cavalcanti, R. ANDRAGOGIA: A APRENDIZAGEM NOS ADULTOS. Revista de Clínica Cirúrgica da Paraíba, Nº 6, Ano 4
* Para quem se interessar pelo tema da Andragogia, poderá ler o livro "The Adult Learner - A Neglected Species" (1973), de Malcolm Knowles. O termo "andragogia" refere-se ao ensino de adultos, levando em conta suas diferenças em relação às crianças.
14 de fev. de 2009
Reflexões sobre o projeto gráfico de jornais impressos
1. Qual a importância do projeto gráfico?
Falar da importância do projeto gráfico é o mesmo que falar da importância da linguagem, ou seja, é imprescindível. Não se pode imaginar a comunicação visual sem o uso da linguagem para poder expressar as mensagens. A linguagem visual, assim como a verbal, é composta de elementos (formas, cores, tipografia) e de uma sintaxe (convenções que definem como arranjar os elementos entre si, de forma a gerar um discurso compreensível numa cultura). Pode-se dizer que o projeto gráfico é o conjunto de decisões conscientes que tem visam organizar os elementos visuais, dentro de um suporte adequado, usando uma retórica voltada para atingir um objetivo de comunicação, levando em conta o ponto de vista de quem emite a mensagem, e do leitor. Sem um projeto gráfico, a possibilidade de atingir um objetivo comunicacional ficaria dependendo exclusivamente da sorte, do acaso, e isso diminuiria muito as chances de êxito.
Uma curiosidade é que até o início do século 20, a tarefa de comunicar dependia exclusivamente do texto em si, independentemente da apresentação visual. Mas a partir de 1925, com o movimento Nova Tipografia (New Typography), isso mudou e percebeu-se que o aumento crescente da complexidade da informação exigia novas maneiras de apresentá-la. Essa apresentação passou a se dar através do design da informação, que procurou encontrar maneiras de transformar uma mensagem complexa em algo simples. Desde então, esse tipo de design se tornou um dos pilares que sustenta um projeto gráfico (o outro pilar é o design da identidade visual).
2. Como utilizar o projeto gráfico num jornal, para chamar a atenção do leitor?
Vale a pena lembrar que, em alguns casos, o projeto gráfico não deve chamar a atenção para si e sim para o conteúdo verbal. Já em outros casos, os elementos não-verbais podem e devem ser protagonistas da mensagem, como no caso de um infográfico, que informa não através de texto apenas, mas usando elementos visuais e suas relações, para informar, explicar ou persuadir. Logo, um projeto gráfico bem-sucedido procura equilibrar essas diferentes abordagens, usando o que cada uma delas tem de melhor, seja para chamar a atenção para si, ou para atuar em silêncio, dando destaque ao conteúdo textual.
É importante dizer que chamar a atenção e suscitar o interesse do leitor depende de muitos outros fatores, além do projeto gráfico em si. Seria inocência afirmar que um projeto gráfico consegue chamar a atenção de todas as pessoas, pois isso implicaria em dizer que as pessoas são iguais e funcionam como máquinas automáticas que respondem do mesmo jeito, ao mesmo estímulo.
3. O que deve se levar em conta para formular a diagramação de um jornal?
O que define a melhor abordagem é o objetivo da mensagem, o tipo de conteúdo e as características do leitor. Portanto, não há um regra rígida que diga como se deve fazer um projeto gráfico, pois cada caso é um caso. A diagramação de uma página é o resultado de um planejamento que envolve diferentes pessoas, como o editor do conteúdo, o redator, o designer gráfico, o fotógrafo e o leitor. Quando um designer tenta forçar um modelo de página que desconsidera essas outras pessoas, aumenta a chance de conflitos e diminui a chance de êxito na comunicação. É o respeito a todas essas funções que cria páginas únicas, funcionais, interessantes, compreensíveis e, o mais importante, relevantes.
No que diz respeito às decisões específicas do designer gráfico, algumas perguntas que devem ser respondidas antes de projetar uma página são:
* Qual o conteúdo que deverá ser apresentado?
* De que partes/segmentos esse conteúdo é feito? Como eles se relacionam/agrupam entre si?
* Quais partes são mais importantes e quais são secundárias?
* O tipo de conteúdo exige a presença de um infográfico? Quem irá produzir esse infográfico?
* Quanto tempo está disponível para produzir o material solicitado?
* Que tipo de expectativas o leitor possui sobre este assunto?
* Qual o conhecimento prévio do leitor sobre a matéria?
* Como as demais editorias/páginas do jornal já estão abordando o tema? O conteúdo faz parte de uma sequência? Ele irá ser apresentado de uma única vez ou aos poucos, periodicamente?
* Que tipo de equipamento/software está disponível para produzir esse layout?
* O projeto deverá ser feito em equipe? Quais pessoas vão fazer parte dela?
* Como o material será reproduzido? Ele terá uma versão digital ou on-line?
Essas são apenas algumas questões, mas que já fornecem subsídios para as decisões sobre o projeto gráfico em si.
4. Qual o cenário do projeto gráfico de jornais no Brasil?
Exceto pelos grandes jornais das capitais, que foram influenciados por jornais estrangeiros, o projeto gráfico ainda é uma área do conhecimento pouco explorada pelos jornais brasileiros. Principalmente nas cidades do interior, o projeto gráfico ainda é visto como um “mal necessário”, uma prática que tem mais uma função técnica de produção do que de comunicação. Isso reflete a formação deficiente dos jornalistas que ora trabalham, ora conduzem esses jornais. Reflete também a reduzida oferta de cursos de design gráfico voltados para os meios editoriais, o que faz com que haja menos profissionais disponíveis para executar essa função, colocando essa tarefa na mãos de pessoas despreparadas.
É importante dizer que, quando eu me refiro a “projeto gráfico”, eu estou falando de design gráfico associado a design da informação e design da identidade visual. Algumas pessoas podem utilizar um software gráfico e organizar visualmente os conteúdos (matérias, anúncios, fotografias) numa página, chamando isso de “projeto”. Mas, isso não é um projeto gráfico em si, na medida em que não é fruto de decisões informadas sobre como organizar adequadamente o conteúdo, levando em conta aspectos formais, funcionais, metódicos e simbólicos. Muitos podem se orgulhar ao dizer que fazem projeto gráfico, já que o resultado final parece ser o mesmo: uma página com todo o conteúdo exigido, impressa e distribuída para os leitores. A diferença entre um projeto amador e profissional aparece com força não apenas no layout final impresso: ele se faz notar nos problemas dos bastidores, no jeito confuso como funciona o departamento de redação, nos resultados finais de venda, na dificuldade de leitura dos leitores e na consequente imagem negativa percebida. Enquanto um jornal não perceber essas diferenças, o projeto gráfico-editorial no Brasil ainda terá muito o que melhorar.
Falar da importância do projeto gráfico é o mesmo que falar da importância da linguagem, ou seja, é imprescindível. Não se pode imaginar a comunicação visual sem o uso da linguagem para poder expressar as mensagens. A linguagem visual, assim como a verbal, é composta de elementos (formas, cores, tipografia) e de uma sintaxe (convenções que definem como arranjar os elementos entre si, de forma a gerar um discurso compreensível numa cultura). Pode-se dizer que o projeto gráfico é o conjunto de decisões conscientes que tem visam organizar os elementos visuais, dentro de um suporte adequado, usando uma retórica voltada para atingir um objetivo de comunicação, levando em conta o ponto de vista de quem emite a mensagem, e do leitor. Sem um projeto gráfico, a possibilidade de atingir um objetivo comunicacional ficaria dependendo exclusivamente da sorte, do acaso, e isso diminuiria muito as chances de êxito.
Uma curiosidade é que até o início do século 20, a tarefa de comunicar dependia exclusivamente do texto em si, independentemente da apresentação visual. Mas a partir de 1925, com o movimento Nova Tipografia (New Typography), isso mudou e percebeu-se que o aumento crescente da complexidade da informação exigia novas maneiras de apresentá-la. Essa apresentação passou a se dar através do design da informação, que procurou encontrar maneiras de transformar uma mensagem complexa em algo simples. Desde então, esse tipo de design se tornou um dos pilares que sustenta um projeto gráfico (o outro pilar é o design da identidade visual).
2. Como utilizar o projeto gráfico num jornal, para chamar a atenção do leitor?
Vale a pena lembrar que, em alguns casos, o projeto gráfico não deve chamar a atenção para si e sim para o conteúdo verbal. Já em outros casos, os elementos não-verbais podem e devem ser protagonistas da mensagem, como no caso de um infográfico, que informa não através de texto apenas, mas usando elementos visuais e suas relações, para informar, explicar ou persuadir. Logo, um projeto gráfico bem-sucedido procura equilibrar essas diferentes abordagens, usando o que cada uma delas tem de melhor, seja para chamar a atenção para si, ou para atuar em silêncio, dando destaque ao conteúdo textual.
É importante dizer que chamar a atenção e suscitar o interesse do leitor depende de muitos outros fatores, além do projeto gráfico em si. Seria inocência afirmar que um projeto gráfico consegue chamar a atenção de todas as pessoas, pois isso implicaria em dizer que as pessoas são iguais e funcionam como máquinas automáticas que respondem do mesmo jeito, ao mesmo estímulo.
3. O que deve se levar em conta para formular a diagramação de um jornal?
O que define a melhor abordagem é o objetivo da mensagem, o tipo de conteúdo e as características do leitor. Portanto, não há um regra rígida que diga como se deve fazer um projeto gráfico, pois cada caso é um caso. A diagramação de uma página é o resultado de um planejamento que envolve diferentes pessoas, como o editor do conteúdo, o redator, o designer gráfico, o fotógrafo e o leitor. Quando um designer tenta forçar um modelo de página que desconsidera essas outras pessoas, aumenta a chance de conflitos e diminui a chance de êxito na comunicação. É o respeito a todas essas funções que cria páginas únicas, funcionais, interessantes, compreensíveis e, o mais importante, relevantes.
No que diz respeito às decisões específicas do designer gráfico, algumas perguntas que devem ser respondidas antes de projetar uma página são:
* Qual o conteúdo que deverá ser apresentado?
* De que partes/segmentos esse conteúdo é feito? Como eles se relacionam/agrupam entre si?
* Quais partes são mais importantes e quais são secundárias?
* O tipo de conteúdo exige a presença de um infográfico? Quem irá produzir esse infográfico?
* Quanto tempo está disponível para produzir o material solicitado?
* Que tipo de expectativas o leitor possui sobre este assunto?
* Qual o conhecimento prévio do leitor sobre a matéria?
* Como as demais editorias/páginas do jornal já estão abordando o tema? O conteúdo faz parte de uma sequência? Ele irá ser apresentado de uma única vez ou aos poucos, periodicamente?
* Que tipo de equipamento/software está disponível para produzir esse layout?
* O projeto deverá ser feito em equipe? Quais pessoas vão fazer parte dela?
* Como o material será reproduzido? Ele terá uma versão digital ou on-line?
Essas são apenas algumas questões, mas que já fornecem subsídios para as decisões sobre o projeto gráfico em si.
4. Qual o cenário do projeto gráfico de jornais no Brasil?
Exceto pelos grandes jornais das capitais, que foram influenciados por jornais estrangeiros, o projeto gráfico ainda é uma área do conhecimento pouco explorada pelos jornais brasileiros. Principalmente nas cidades do interior, o projeto gráfico ainda é visto como um “mal necessário”, uma prática que tem mais uma função técnica de produção do que de comunicação. Isso reflete a formação deficiente dos jornalistas que ora trabalham, ora conduzem esses jornais. Reflete também a reduzida oferta de cursos de design gráfico voltados para os meios editoriais, o que faz com que haja menos profissionais disponíveis para executar essa função, colocando essa tarefa na mãos de pessoas despreparadas.
É importante dizer que, quando eu me refiro a “projeto gráfico”, eu estou falando de design gráfico associado a design da informação e design da identidade visual. Algumas pessoas podem utilizar um software gráfico e organizar visualmente os conteúdos (matérias, anúncios, fotografias) numa página, chamando isso de “projeto”. Mas, isso não é um projeto gráfico em si, na medida em que não é fruto de decisões informadas sobre como organizar adequadamente o conteúdo, levando em conta aspectos formais, funcionais, metódicos e simbólicos. Muitos podem se orgulhar ao dizer que fazem projeto gráfico, já que o resultado final parece ser o mesmo: uma página com todo o conteúdo exigido, impressa e distribuída para os leitores. A diferença entre um projeto amador e profissional aparece com força não apenas no layout final impresso: ele se faz notar nos problemas dos bastidores, no jeito confuso como funciona o departamento de redação, nos resultados finais de venda, na dificuldade de leitura dos leitores e na consequente imagem negativa percebida. Enquanto um jornal não perceber essas diferenças, o projeto gráfico-editorial no Brasil ainda terá muito o que melhorar.
Logomarca e a discussão vazia
Alguns podem alegar que o que eu disse vai contra tudo o que os designers estudaram sobre identidade, que eu estou defendendo más práticas profissionais, que estou incentivando as pessoas a prosseguirem usando termos incorretos que podem minar o respeito pela profissão, que eu sou a favor de usar termos errados, e que estou do lado dos amadores que aprendem 2 ou 3 receitinhas de design e saem por aí dizendo que são designers que fazem “logomarcas”.
Para quem já leu os meus demais posts, sabe que nada poderia estar mais longe da verdade, pelas razões que aponto a seguir:
Eu não sou a favor de sair por aí usando termos incorretos. Pelo contrário, eu gasto bastante tempo aprendendo quais termos devem ser usados e como isso se traduz em melhores práticas de projeto e atuação profissional. Diferente de muitos que dizem “isso significa tal coisa” eu prefiro dizer, baseado na literatura, que “isso tem potencial para significar”. Também uso expressões como metáfora experiencial, conotação cultural, e ao invés de dizer “fonte” eu prefiro dizer “face tipográfica”.
Mas eu não uso essas e outras expressões como lenha para acender uma fogueira de debates sobre palavras, e que não levam a nada, pois isso só sustenta a falsa impressão de que “se eu não falo logomarca, então eu não faço parte do grupo de amadores, logo sou designer gráfico de valor”. Eu uso, sim, os termos adequados no meu cotidiano como designer e professor, mas não coloco isso como prioridade. Diferentemente de outros “pseudo-designers”, que gastam mais energia debatendo sobre usar ou não logomarca, enquanto seu porfolio demonstra que suas ações não correspondem ao seu discurso. Ou seja, muitos tem um discurso bonito, defendendo o uso das palavras “certas”, dos termos “corretos”, mas se você olhar o portfolio destes, verá que aquela conversa toda não se reflete nos trabalhos que eles fazem.
Na década de 64, na Inglaterra, Ken Garland publicou um manifesto chamado “First Things First”, que em português seria algo como “Em primeiro lugar, as coisas principais”. Ele sugeria que alguns designers estavam usando seu conhecimento para finalidades comerciais, deixando de lado outras coisas mais importantes, e que precisavam do design, como saúde, educação, dentre outros. Garland fez questão de dizer que ele não era contra o uso do design para apoiar as vendas, mas sim que o design não estava dando atenção às necessidades principais do ser humano.
Seguindo o mesmo raciocínio, eu digo que não sou contra o uso dos termos corretos. Não sou contra os designers que passam 4 ou mais anos estudando para fazerem projetos com precisão e usando termos adequados para se comunicar com outros designers e a sociedade. Não estou do lado dos amadores que aprendem 2 receitinhas e saem por aí dizendo “faço logomarca”. Mas eu também não apóio os designers que gastam saliva com um discurso de um argumento só, e que é repetido sem muita atenção: “falar logomarca é errado”. Enquanto estes ficam lá na praça, com os braços erguidos, segurando a Bíblia do Design na mão, jogando uma maldição sobre quem falar aquela “palavra” maldita, seus projetos de design de identidade continuam um lixo, que também mereceria um castigo.
Com isso, quero dizer que:
1) Dificilmente um cliente fala errado apenas a tal “palavra” maldita. Ele também diz outras coisas, que obviamente são reflexo da sua ignorância sobre o assunto. Ao invés de ficar repreendendo seu cliente, se concentre em fazer seu trabalho direito. O exemplo fala muito mais do que palavras. Uma criança, desde cedo, já sabe que muito mais importante do que ouvir seu pai dizer “não jogue lixo no chão” é vê-lo se agachar, apanhar o lixo e jogar dentro da lata. Ou seja, diante dos exemplos e da ação, as palavras tem uma força muito menor. Um cliente que ouve você dizendo que tal palavra não é correta, mas também vê você entregando um “projeto de identidade” ridículo, vai ignorar seu discurso sobre o que deve ou não ser dito. Agora, se você entrega um projeto desenvolvido adequadamente, com os nomes apropriados, ele poderá dar crédito ao que você diz.
2) Se outro designer usa um termo que você considera incorreto, em primeiro lugar, pense duas vezes antes de afirmar que ele está errado. Você pode ter uma surpresa.
3) Se um designer precisa ser “ensinado” a não dizer isso ou aquilo, é provável que o trabalho dele esteja numa situação bem pior do que as palavras que saem da boca deste. Pois o que a boca fala é um reflexo do que o designer pensa. Se as palavras estão cheirando mal, os pensamentos já devem estar podres há muito tempo. Logo, antes de corrigir as palavras, corrija as atitudes e as idéias que deram origem ao que o designer falou. Ao invés de falar “não diga logomarca”, mostre ao designer quais são os elementos da identidade visual (código de marca), como eles estão relacionados com os conceitos da marca (DNA), como eles se combinam para refletir a linguagem e o estilo nos pontos de contato e impacto de marca, como isso deve ser documentado, como deve ser implementado no dia-a-dia da comunicação, como deve ser transmitido para todos as partes interessadas (stakeholders) etc. Ou seja, saia da ponta do iceberg, e mergulhe fundo no oceano, para verificar que há coisas bem mais complexas para serem resolvidas, e que um simples nome não é a origem nem o remédio dos males no design.
Para quem já leu os meus demais posts, sabe que nada poderia estar mais longe da verdade, pelas razões que aponto a seguir:
Eu não sou a favor de sair por aí usando termos incorretos. Pelo contrário, eu gasto bastante tempo aprendendo quais termos devem ser usados e como isso se traduz em melhores práticas de projeto e atuação profissional. Diferente de muitos que dizem “isso significa tal coisa” eu prefiro dizer, baseado na literatura, que “isso tem potencial para significar”. Também uso expressões como metáfora experiencial, conotação cultural, e ao invés de dizer “fonte” eu prefiro dizer “face tipográfica”.
Mas eu não uso essas e outras expressões como lenha para acender uma fogueira de debates sobre palavras, e que não levam a nada, pois isso só sustenta a falsa impressão de que “se eu não falo logomarca, então eu não faço parte do grupo de amadores, logo sou designer gráfico de valor”. Eu uso, sim, os termos adequados no meu cotidiano como designer e professor, mas não coloco isso como prioridade. Diferentemente de outros “pseudo-designers”, que gastam mais energia debatendo sobre usar ou não logomarca, enquanto seu porfolio demonstra que suas ações não correspondem ao seu discurso. Ou seja, muitos tem um discurso bonito, defendendo o uso das palavras “certas”, dos termos “corretos”, mas se você olhar o portfolio destes, verá que aquela conversa toda não se reflete nos trabalhos que eles fazem.
Na década de 64, na Inglaterra, Ken Garland publicou um manifesto chamado “First Things First”, que em português seria algo como “Em primeiro lugar, as coisas principais”. Ele sugeria que alguns designers estavam usando seu conhecimento para finalidades comerciais, deixando de lado outras coisas mais importantes, e que precisavam do design, como saúde, educação, dentre outros. Garland fez questão de dizer que ele não era contra o uso do design para apoiar as vendas, mas sim que o design não estava dando atenção às necessidades principais do ser humano.
Seguindo o mesmo raciocínio, eu digo que não sou contra o uso dos termos corretos. Não sou contra os designers que passam 4 ou mais anos estudando para fazerem projetos com precisão e usando termos adequados para se comunicar com outros designers e a sociedade. Não estou do lado dos amadores que aprendem 2 receitinhas e saem por aí dizendo “faço logomarca”. Mas eu também não apóio os designers que gastam saliva com um discurso de um argumento só, e que é repetido sem muita atenção: “falar logomarca é errado”. Enquanto estes ficam lá na praça, com os braços erguidos, segurando a Bíblia do Design na mão, jogando uma maldição sobre quem falar aquela “palavra” maldita, seus projetos de design de identidade continuam um lixo, que também mereceria um castigo.
Com isso, quero dizer que:
1) Dificilmente um cliente fala errado apenas a tal “palavra” maldita. Ele também diz outras coisas, que obviamente são reflexo da sua ignorância sobre o assunto. Ao invés de ficar repreendendo seu cliente, se concentre em fazer seu trabalho direito. O exemplo fala muito mais do que palavras. Uma criança, desde cedo, já sabe que muito mais importante do que ouvir seu pai dizer “não jogue lixo no chão” é vê-lo se agachar, apanhar o lixo e jogar dentro da lata. Ou seja, diante dos exemplos e da ação, as palavras tem uma força muito menor. Um cliente que ouve você dizendo que tal palavra não é correta, mas também vê você entregando um “projeto de identidade” ridículo, vai ignorar seu discurso sobre o que deve ou não ser dito. Agora, se você entrega um projeto desenvolvido adequadamente, com os nomes apropriados, ele poderá dar crédito ao que você diz.
2) Se outro designer usa um termo que você considera incorreto, em primeiro lugar, pense duas vezes antes de afirmar que ele está errado. Você pode ter uma surpresa.
3) Se um designer precisa ser “ensinado” a não dizer isso ou aquilo, é provável que o trabalho dele esteja numa situação bem pior do que as palavras que saem da boca deste. Pois o que a boca fala é um reflexo do que o designer pensa. Se as palavras estão cheirando mal, os pensamentos já devem estar podres há muito tempo. Logo, antes de corrigir as palavras, corrija as atitudes e as idéias que deram origem ao que o designer falou. Ao invés de falar “não diga logomarca”, mostre ao designer quais são os elementos da identidade visual (código de marca), como eles estão relacionados com os conceitos da marca (DNA), como eles se combinam para refletir a linguagem e o estilo nos pontos de contato e impacto de marca, como isso deve ser documentado, como deve ser implementado no dia-a-dia da comunicação, como deve ser transmitido para todos as partes interessadas (stakeholders) etc. Ou seja, saia da ponta do iceberg, e mergulhe fundo no oceano, para verificar que há coisas bem mais complexas para serem resolvidas, e que um simples nome não é a origem nem o remédio dos males no design.
Logotipo x logomarca > Coando o mosquito e engolindo o camelo
“Coar o mosquito e engolir o camelo” é uma expressão que foi usada por Jesus Cristo, para indicar que alguns às vezes ficam se preocupando com coisas mínimas, enquanto aquilo que realmente deve ser evitado continua sendo aceito e praticado. Conforme eu já expliquei num post, aqui nesse site, essa discussão sobre se o certo é logotipo ou logomarca, não toca no real problema: a ignorância de alguns designers sobre o que é identidade visual, marca, branding, expressão visual de marca, expressão sonora, expressão tátil, expressão olfativa e expressão gustativa. Essa ignorância é o real “camelo” que continua sendo engolido, enquanto ficamos cuidando de mosquitos.
Essa discussão em torno de qual o melhor termo para designar a junção de “símbolo + logotipo” revela algumas incoerências, tanto na profissão do designer gráfico, quanto na dos diretores de arte/publicitários:
* 1) Algumas pessoas se preocupam tanto com símbolo e logotipo, pois na cabeça delas, esses são os elementos que compõem a identidade. Mas não são. Um produto, por exemplo, pode ser identificado mesmo sem a presença desses elementos. Eu posso diferenciar um refrigerante pelo formato da sua embalagem (Coca-Cola). Posso identificar um chocolate pela padronagem de fundo com retângulos vermelhos e amarelos presente na embalagem (Chokito). Consigo perceber uma empresa de telefonia celular pelo estilo das fotografias que ela usa nos materiais gráficos (Vivo). Posso identificar um banco pela presença de um gesto num comercial de TV, que lembra o @ com a letra “i” (Itaú). Se eu for mais longe, consigo identificar até um parque temático por usar um idioma próprio, o “hopês”, onde bom dia é “bom bini” e tchau é “chauí” (Hopi Hari), diferencio uma empresa pelo uso frequente de uma textura de céu azul na propaganda (Claro), uma marca de processador apenas pelo som (Intel), um jornal apenas pelo tipo de letra utilizado no corpo do texto (Folha de S. Paulo), um achocolatado pelo seu cheiro (Toddy) ou um sorvete pelo gosto que tem (Häagen-Dazs).
* 2) Essas pessoas pensam que identidade é só símbolo e logotipo, pois leram isso em um monte de livros que repetiam essa bobagem, ou aprenderam numa faculdade com um professor desatualizado que ensina identidade visual como se ensinava há quase 60 anos atrás (no tempo da vovó), ou porque simplesmente a maioria fala assim, então deve ser verdade. Da mesma forma, as pessoas saem por aí repetindo que se deve tomar 2 litros de água todo dia (isso não tem comprovação científica) ou que armas são a coisa mais perigosa que se pode ter em casa (sendo que piscinas matam muito mais crianças por ano). Ainda se ensina identidade como na década de 50, num tempo em que os produtos não tinham tanta concorrência, e a única coisa que precisava ser diferenciada era a “corporação”, que levou ao que se chama identidade corporativa. Acontece que identidade corporativa não é o mesmo que identidade de marca, identidade de produto, identidade experiencial.
* 3) Como muitos “acham que identidade é só símbolo e logotipo” (estou sendo repetitivo para enfatizar), o que se vê por aí é a famosa identidade-carimbo: se o fulano fizer um papel de carta, um envelope, um uniforme, um totem de fachada, uma embalagem, uma sinalização de carro, dentre outros, ele vai sair carimbando a dupla “símbolo e logotipo” em tudo que aparecer pela frente, com seu carimbo-mágico-aplicador-de-identidades. Isso explica porque muitos clientes acham um absurdo pagar 10.000, 100.000 ou 3 milhões de reais por um “sistema de identidade”, pois se for pra sair carimbando um desenho, o sobrinho dele faz isso por muito menos. Carimbo por carimbo, não precisamos de um designer para fazer. O que precisa mesmo de um designer é pensar de que maneira podemos identificar um “produto, marca, serviço, pessoa, empresa, experiência” sem ficar repetindo um símbolo acompanhado de um logotipo.
* 4) Logo, nós designers gráficos podemos criar uma identidade de maneira multi-sensorial, usando a cor, tipografia, padronagens, texturas, grafismos, materiais, estilo fotográfico, gestos, e com a ajuda de outros profissionais, criar a identidade pelo som, cheiro, gosto e superfície, conforme ilustra Marc Gobé, no seu livro “Design Emocional”.
Portanto, quando estivermos projetando identidades completas, que diferenciem através de vários sentidos, e que não precisem depender da receitinha ultrapassada de “símbolo e logotipo”, essa preocupação sobre chamar de “logomarca” ou não, vai ser inócua.
Prof. Ricardo Martins
Depto. de Design
Universidade Federal do Paraná
Essa discussão em torno de qual o melhor termo para designar a junção de “símbolo + logotipo” revela algumas incoerências, tanto na profissão do designer gráfico, quanto na dos diretores de arte/publicitários:
* 1) Algumas pessoas se preocupam tanto com símbolo e logotipo, pois na cabeça delas, esses são os elementos que compõem a identidade. Mas não são. Um produto, por exemplo, pode ser identificado mesmo sem a presença desses elementos. Eu posso diferenciar um refrigerante pelo formato da sua embalagem (Coca-Cola). Posso identificar um chocolate pela padronagem de fundo com retângulos vermelhos e amarelos presente na embalagem (Chokito). Consigo perceber uma empresa de telefonia celular pelo estilo das fotografias que ela usa nos materiais gráficos (Vivo). Posso identificar um banco pela presença de um gesto num comercial de TV, que lembra o @ com a letra “i” (Itaú). Se eu for mais longe, consigo identificar até um parque temático por usar um idioma próprio, o “hopês”, onde bom dia é “bom bini” e tchau é “chauí” (Hopi Hari), diferencio uma empresa pelo uso frequente de uma textura de céu azul na propaganda (Claro), uma marca de processador apenas pelo som (Intel), um jornal apenas pelo tipo de letra utilizado no corpo do texto (Folha de S. Paulo), um achocolatado pelo seu cheiro (Toddy) ou um sorvete pelo gosto que tem (Häagen-Dazs).
* 2) Essas pessoas pensam que identidade é só símbolo e logotipo, pois leram isso em um monte de livros que repetiam essa bobagem, ou aprenderam numa faculdade com um professor desatualizado que ensina identidade visual como se ensinava há quase 60 anos atrás (no tempo da vovó), ou porque simplesmente a maioria fala assim, então deve ser verdade. Da mesma forma, as pessoas saem por aí repetindo que se deve tomar 2 litros de água todo dia (isso não tem comprovação científica) ou que armas são a coisa mais perigosa que se pode ter em casa (sendo que piscinas matam muito mais crianças por ano). Ainda se ensina identidade como na década de 50, num tempo em que os produtos não tinham tanta concorrência, e a única coisa que precisava ser diferenciada era a “corporação”, que levou ao que se chama identidade corporativa. Acontece que identidade corporativa não é o mesmo que identidade de marca, identidade de produto, identidade experiencial.
* 3) Como muitos “acham que identidade é só símbolo e logotipo” (estou sendo repetitivo para enfatizar), o que se vê por aí é a famosa identidade-carimbo: se o fulano fizer um papel de carta, um envelope, um uniforme, um totem de fachada, uma embalagem, uma sinalização de carro, dentre outros, ele vai sair carimbando a dupla “símbolo e logotipo” em tudo que aparecer pela frente, com seu carimbo-mágico-aplicador-de-identidades. Isso explica porque muitos clientes acham um absurdo pagar 10.000, 100.000 ou 3 milhões de reais por um “sistema de identidade”, pois se for pra sair carimbando um desenho, o sobrinho dele faz isso por muito menos. Carimbo por carimbo, não precisamos de um designer para fazer. O que precisa mesmo de um designer é pensar de que maneira podemos identificar um “produto, marca, serviço, pessoa, empresa, experiência” sem ficar repetindo um símbolo acompanhado de um logotipo.
* 4) Logo, nós designers gráficos podemos criar uma identidade de maneira multi-sensorial, usando a cor, tipografia, padronagens, texturas, grafismos, materiais, estilo fotográfico, gestos, e com a ajuda de outros profissionais, criar a identidade pelo som, cheiro, gosto e superfície, conforme ilustra Marc Gobé, no seu livro “Design Emocional”.
Portanto, quando estivermos projetando identidades completas, que diferenciem através de vários sentidos, e que não precisem depender da receitinha ultrapassada de “símbolo e logotipo”, essa preocupação sobre chamar de “logomarca” ou não, vai ser inócua.
Prof. Ricardo Martins
Depto. de Design
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