22 de dez. de 2007

Conhecimento como ferramenta no planejamento de marketing

"Conhecimento e poder são um" - Francis Bacon

Um princípio que é apontado pelo filósofo medieval Roberto Grosseteste, e é reconhecido por quase todos os representantes das ciências naturais, é o de que a natureza é uniforme, ou seja, as formas são sempre idênticas no seu funcionamento (KOYRE, 1973, p. 68).

Segundo EPSTEIN (2005), o contrário de um mundo uniforme é um mundo caótico, que não tem como ser descrito pela ciência, pois em termos de Teoria da Informação, um mundo caótico exibe a máxima variedade possível, e por isso, demanda a máxima quantidade de informação para ser descrito. Mas por ser uniforme, a natureza permite que a ciência localize e identifique essas regularidades.

Quando a ciência descobre essas regularidades sobre o ambiente natural e social, isso permite o exercício do poder sobre outros indivíduos ou grupos, incluindo grupos econômicos como as empresas, instituições, corporações, etc. DEUTSCH (1979) diz que "no decurso da história tem acontecido que quando um homem aumenta seu poder sobre a natureza, ele é capaz de usar este poder como um meio de aumentar o seu próprio poder sobre outros homens".

Tendo isso em mente, podemos afirmar que empresas com maior capacidade de ciência, saber, apreensão de conhecimento, tem mais poder. Esse poder se manifesta nas relações de troca, tendo consequências sobre a obtenção de resultados, inclusive o lucro. O contrário também é verdade: a ausência de conhecimento enfraquece as organizações, diminuindo sua influência e reduzindo seus resultados.


Para as organizações, qual o conhecimento importante para a obtenção de poder?
Podemos elencar os fatores políticos, econômicos, sociais e tecnológicos.

  • Fatores políticos referem-se a questões regulamentares que afetam a linha de seu produto (isto é, questões ergonômicas e as regras regulamentares atuais), aspectos legais como patentes e direitos autorais ou apenas o atual ambiente político.
  • Fatores econômicos referem-se às forças financeiras atuais que agem no seu mercado-alvo. Atualmente estamos em recessão? O mercado de ações está em alta ou em baixa?
  • Fatores sociais referem-se a mudanças nas tendências sociais, modismos ou grupos demográficos que afetam o seu mercado-alvo e suas opiniões atuais. Isto pode incluir mudanças nos hábitos de compra, por exemplo, como o aumento das compras via internet ou em super shopping centers. Também pode ser o envelhecimento das pessoas no seu mercado-alvo ou o crescimento populacional no grupo acima dos 50 anos.
  • Fatores tecnológicos incluem todas as mudanças tecnológicas que afetam seu produto, seu mercado ou seus esforços de coleta de informações sobre esse mercado. Isto inclui a internet, comunicações sem fio, aparelhos eletrônicos portáteis e tudo ligado à tecnologia que afeta o seu produto ou serviço.
Esses quatro fatores, são fontes de informação que refletem as ameaças e oportunidades para a organização.

A importância da pesquisa na obtenção de conhecimento e poder
A forma como as empresas podem descobrir "regularidades" e outras informações sobre os fatores políticos, econômicos, sociais e tecnológicos, ameaças, oportunidades, pontos fortes e pontos fracos, é através de ferramentas de geração de conhecimento, baseadas em processos de coleta de dados e posterior análise. Essas ferramentas se agrupam sob a forma de pesquisa.

A pesquisa é importante pois as informações que ela gera tem objetivo instrumental, ou seja, o conhecimento obtido é utilizado como ferramenta que permite tomar decisões estratégicas e aplicar táticas que transformem o planejamento em realidade sensível.

As informações obtidas na pesquisa se inter-relacionam e são complementares. Abaixo seguem algumas dessas relações:
  • Pesquisa e análise são fundamentais porque fazem você identificar o público-alvo de seu produto, bem como seus pontos fortes e fracos, ameaças e, mais importante, as oportunidades.
  • Conhecer as ameaças e as oportunidades que seu produto enfrenta ajuda você a estabelecer suas metas de venda com mais realismo.
  • O conhecimento de suas oportunidades, público-alvo e metas de vendas fornece as informações necessárias para que você estabeleça seus objetivos de mercado, aproveite as oportunidades e cumpra as metas de vendas.
  • O conhecimento de seus objetivos de marketing dará a você as informações necessárias para estabelecer o posicionamento, preço, distribuição e outras estratégias de marketing.
  • Ao estabelecer suas estratégias, você terá o mapa para definir os elementos táticos de seu plano de marketing, como publicidade, promoção, marca, embalagem, etc. Tudo o que você precisa para se adaptar ao mercado.
  • Depois de determinar seus elementos táticos, você pode definir seu elemento criativo, orçamentos e cronograma.
A simples posse de muita informação não garante resultados
CASTOR (2000) argumenta que "com base no pressuposto de uma análise exaustiva do maior número possível de variáveis ambientais, desenvolveu-se um pensamento relativamente simplista de que uma organização que contasse com um sofisticado sistema de coleta e tratamento de dados poderia conduzir seu destino, na medida em que, conhecendo minuciosamente o ambiente em que opera se transformasse em uma máquina de produção voltada para esses últimos." Além disso, "o excesso de informações pode ter um efeito tão nocivo sobre a capacidade de ação estratégica quanto sua escassez. Essa é uma síndrome que os críticos do planejamento empresarial chamam de paranalysis, a paralysis by analysis... Às voltas com a digestão de um grande número de dados, uma empresa pode se ver imobilizada, com receio de deixar de lado uma variável importante e não agir tempestivamente." completa ele.

HASELHOFF (1990, p.35), diz ainda que "não apenas as interfaces com o ambiente são, na prática, muito menos nítidas do que parecem na teoria, como – igualmente – as interpretações dos diferentes membros de uma organização sobre o ambiente não são necessariamente harmônicas; ao contrário, a dissenção e o conflito interno são características usuais nas organizações contemporâneas, o que leva a que um mesmo conjunto de informações mereça interpretações totalmente diversas por parte dos executivos da empresa." Ele conclui dizendo que "contar com um bom sistema cognitivo ajuda mas não resolve o problema de como antecipar as mudanças ambientais e antecipar-se a elas, agindo estrategicamente; para isso, é necessário muito mais, a começar por um trabalho de natureza política a ser desenvolvido para que a organização alcance um mínimo de harmonia em relação à forma como decide enfrentar os desafios externos (HASELHOFF, 1990, p.36).

CASTOR sugere algumas alternativas para evitar que os dados da pesquisa sobre o ambiente não se tornem inócuos, a saber:
  • a) uma maior ênfase nos processos políticos da empresa, tais como a busca de consenso, o gerenciamento de conflitos e a convergência de agendas e interesses particularísticos dos dirigentes, acionistas e demais stakeholders, visando reduzir os níveis de fricção interna e de entropia organizacional, ampliando dessa maneira a capacidade de intervenção estratégica da empresa;
  • b) a utilização de instrumentos mais expeditos de coleta e interpretação de dados e informações para reduzir os prazos de análise ambiental e evitar sua obsolescência;
  • c) a adoção de estruturas decisionais que permitam que a análise multidimensional e multidepartamental das informações ambientais coletadas substitua os processos rotineiros de análise seqüencial, propiciando, assim, ganhos de tempo consideráveis e o desenvolvimento de modelos holísticos de interpretação, em oposição aos modelos fragmentários que são a tônica nas estruturas convencionais.
Conclusão
O conhecimento sobre o ambiente tem papel essencial na definição das estratégias organizacionais, mas o fato de deter muitas informações sobre o ambiente não implica em utilidade prática e imediata, pois isso depende de outros fatores como o grau de harmonia dos grupos internos na interpretação das informações, a velocidade com que a análise ambiental é realizada, e o tipo de estrutura decisional presente. O excesso de informações pode congelar uma empresa, que sofre ataques enquanto lentamente tenta analisar o ambiente.

Mas isso não muda o fato de que a ausência da informação impede que sejam tomadas decisões importantes para a condução do negócio. Dentre essas decisões estão as metas de venda, objetivos de mercado, posicionamento, precificação, distribuição, que por sua vez afetam a implementação tática sob a forma de outras ferramentas de marketing como publicidade, propaganda, promoção, marketing direto, merchandising, dentre outras. E sem as informações sobre as demandas de ferramentas de marketing, é impossível definir com precisão a utilização dos recursos econômicos. Não se sabe quem vai ser contratado (pessoas), o que vai ser preciso (materiais), por qual valor (custos), em qual prazo (tempo). E uma empresa que não consegue gerenciar adequadamente recursos humanos, suprimentos, finanças e tempo definitivamente terá problemas, sendo a diminuição do poder um deles.

Referências
CASTOR, B., Planejamento Estratégico em Condições de Elevada Instabilidade. Revista FAE, Curitiba, v.3, n.2, p.1-7, maio/ago. 2000
DEUTSCH, M., K., The Nerves Government, New York, Free Press, 1966.

EPSTEIN, I. "Ciência, poder e comunicação" in DUARTE, J., BARROS, A. (Org.). Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. São Paulo, Atlas, 2005.
KOYRE, A. Études d´Histoire de la Pensée Scientifique, Paris, Gallimard, 1973.


20 de dez. de 2007

Manifesto dos Sentidos

“Defendemos a multiplicidade de experiências, o fim do design de objetos, o design de produtos, o design de peças gráficas. Projetemos, não as coisas, mas as experiências. Ofereçamos não apenas a ditadura da visão, mas acordemos para os oito sentidos do homem: visão, audição, olfato, tato, paladar, tempo, equilíbrio e a paixão.

Que os designers de gabinete libertem-se das correntes de seus cubículos informatizados e saiam para ver que o mundo aí fora não é feito em Coreldraw. Pregamos o fim da computação irresponsável e seus designers amestrados.

Defendemos um mundo onde os designers não somente abram os olhos, mas dêem as mãos, com outros que também querem trabalhar junto, como os mágicos, os dançarinos, professores de história, padeiros, engolidores de fogo, também as crianças.

Defendemos um design que não mostre o mundo, mas que ensine a olhá-lo.” - Ricardo Martins, UFPR, Maio de 2003

6 de dez. de 2007

A polêmica do novo logo da Vale

Recentemente a Companhia Vale do Rio Doce inaugurou sua nova identidade visual corporativa. No entanto, surgiu uma suspeita de violação de direitos autorais, pelo fato do novo símbolo da Vale ser muito parecido com de uma empresa calçadista chamada Vitelli.

Por que a Vale não precisa se preocupar com acusações de plágio, infração de direitos autorais, etc?

Simples.

Eu até posso ter 2 símbolos iguais, de 2 empresas diferentes, e isso não significa necessariamente um problema por várias razões:

  • SIGNIFICADO É INDIVIDUAL. Posso ter 2 símbolos iguais, mas se forem vistos por 2 pessoas diferentes, vou ter 2 significados diferentes.
  • SIGNIFICADO DEPENDE DE CONTEXTO. O significado não é dado pelo desenho isolado e sim pelo desenho em relação ao contexto total. Esse mesmo desenho da letra V estilizada, usado num sapato ou num site de mineradora recebem significados que se transformam.
  • SIGNIFICADO DEPENDE DE CULTURA. O que REALMENTE define o modo como um desenho ou símbolo gráfico adquire significado depende do público-alvo, da sua cultura, da sua expectativa emocional, do repertório de símbolos conhecido, das mensagens enviadas em paralelo na comunicação etc.
  • DESENHO NÃO É SISTEMA DE IDENTIDADE. O que a Vitelli tem é um desenho. O que a Vale tem é um Sistema de Identidade e são coisas BEM DIFERENTES. Uma empresa que depende de um único símbolo como manifestação da sua identidade tem um problema. A Vale fez certo, na medida em que seu Sistema de Identidade contempla um nome contextualizado, um geotipo (símbolo geométrico), um logotipo, uma família tipográfica personalizada, grafismos de apoio (as curvas e formas geométricas sinuosas que são usadas além do geotipo+logotipo), etc. Embora aparentemente simples, o grau de complexidade do sistema de identidade da Vale é muito superior ao da Vitelli, que não tem Sistema de Identidade do mesmo nível.
  • CONTEXTO COMUNICACIONAL É DIFERENTE. A Vitelli e a Vale tem tamanhos diferentes, verbas de comunicação diferentes, abordagem comunicacional diferente, contexto diferente, públicos de tamanhos diferentes, de modo que o efeito PRÁTICO da similaridade é irrelevante.
  • BRAND EQUITY É DIFERENTE. O objetivo da proteção legal dos elementos de marca (nome, logotipo, geotipo, etc) é evitar que uma empresa se beneficie indevidamente do brand equity de outra, obtendo benefício financeiro a partir do capital alheio. No caso da Vale, é ridículo imaginar que a 31ª maior empresa DO MUNDO (à frente da IBM, por exemplo) queira se beneficiar do brand equity da Vitelli, empresa que quase ninguém conhece ou tinha ouvido falar (ou seja, com brand equity inócuo). Por falar nisso, a Vitelli está sendo mais beneficiada então, com essa polêmica, pois ao menos agora os designers podem se interessar em comprar seus calçados, já que ela ficou famosa.

24 de out. de 2007

Crítica ao manifesto anti-design

Em primeiro lugar, é elogiável a intenção do manifesto, na medida em que propõe uma reflexão crítica sobre o design. É bom quando alguém decide se posicionar e deixar de aceitar passivamente tudo que é imposto seja pelo mercado, faculdades, professores, políticos etc.

Visando colaborar para a discussão, faço aqui um contra-crítica ao manifesto.

Segundo o manifesto Anti-Design,

“Designers gostam de brigar, vivem na sua panelinha, são ignorantes em filosofia, são passivos, são ignorantes em design, são preguiçosos e só querem a prática, vivem pensando apenas numa abstração chamada “mercado”, são escravos do neoliberalismo, são escravos do modelo americano, lidam com abstrações como “mercado, design”, sem saber do que se tratam. Os estudantes de design também são conformados ou ignorantes. “Os designers” rejeitam a teoria, abraçam o tecnicismo, a prática. Eles não tem discussões teóricas com professores, só querem a prática. Os designers dependem do mercado. Sem o mercado, o Design perde identidade, pois professores ensinaram que se não vende e não tem propósito, é arte. Designers não refletem sobre o próprio design e isso gera a falta de reconhecimento da profissão. Quando surge um olhar externo, fora do modelo de design atual, ele não é ouvido pela maioria.”

Em primeiro lugar, que “designers” são esses? Estereotipar a figura do designer, dizendo que “os designers isso, os designers aquilo”, ou seja, todos são iguais, é ser simplista demais. Nem por um milagre ou incrível coincidência, seria possível encontrar um designer que fosse exatamente igual a outro em tudo. Portanto, generalizar dizendo que existe uma figura chamada “O Designer” é perigoso e coloca em dúvida qualquer afirmação que se faça sobre ele.

Em segundo, será que essas características de adoração à prática, rejeição da teoria, subordinação ao mercado e à política são características só dos “designers”? Sabemos que não. Médicos, capoeiristas, engenheiros, policiais, enfim, muitas profissões também padecem desse mal.

Esses comportamentos que são condenados pelo manifesto refletem menos um problema pessoal e mais um problema educacional, que nasce nas famílias, não só nas faculdades ou cursos técnicos.

  • Alguns designers brigam contra micreiros e publicitários, mas médicos também brigam com farmacêuticos, fonoaudiólogos brigam com médicos, engenheiros brigam com arquitetos que brigam com decoradores que brigam com as costureiras que fazem cortina em casa. E porque brigam? Não é porque são designers. É porque são seres humanos que sentem medo, ciúme, inveja ou simplesmente se sentem mais vivos quando entram numa disputa.
  • Alguns designers também são conformados e não criticam, devido a fatores culturais. O brasileiro é passivo. Desde o ensino fundamental, é ensinado a aceitar tudo que vem dos professores como lei. Levantar a mão e contradizer um professor merece apedrejamento nas faculdades, pois muitos brasileiros, sejam professores, alunos ou designers formados, tem dificuldade em aceitar a crítica e levam pro lado pessoal. Isso gera um ciclo perpétuo, onde eu não critico você, que também não me critica. E isso não é um problema só pros designers.
  • E a adoração à prática, seria um privilégio dos profissionais de design? Não. Que um raio caia na minha cabeça, se apenas os designers gostarem de “cursos práticos”. A rejeição à teoria tem raízes muito mais profundas do que se imagina. A ênfase no trabalho manual, o analfabetismo funcional e a dificuldade em escrever e interpretar textos, a deficiência didática dos professores, a urgência dos tempos, a lei natural do menor esforço, enfim, são muitos fatores que fazem o ser humano querer o caminho direto que leve à realização.
  • Com respeito à obediência ao mercado, isso também não é característica exclusiva dos designers. Essa sujeição capitalista está menos ligada à ignorância dos designers e sim a uma questão de sobrevivência imediata e subordinação econômica, onde quem detem o capital manda e quem precisa dele obedece. Obviamente, isso não agrada todo mundo, mas a forma de combater isso seria igualando o poder gerado pelo capital financeiro com o poder gerado pelo capital do conhecimento. Só que as instituições educacionais não conseguem isso e essa equalização não acontece. Resumindo, o buraco é mais embaixo, e esse descontentamento dos designers com a lógica capitalista neo-liberal não vai se resolver assim tão facilmente.

Sobre a relação do designer com a teoria, prática, política, consumo e tecnologia, vale a pena comentar aqui o excelente texto “O designer valorizado”, de Nigel Whiteley (in ARCOS: design, cultura material e visualidade. Rio de Janeiro: Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Design da Escola Superior de Desenho Industrial, out. 1998, v.1 n.1, p. 63-75).

Nesse texto de 1998, Whiteley propõe algo parecido com o que prega o Manifesto Anti-Design, quando propõe um modelo equilibrado de ensino do design que não seja totalmente excludente nem extremista, que atenda ao mercado sem ser um escravo dele. Ele diz:

Precisamos, para o próximo século, de designers criativos, construtivos e de visão independente, que não sejam nem ‘lacaios do sistema capitalista’, nem ideólogos de algum partido ou doutrina e nem ‘geninhos tecnológicos’, mas antes profissionais capazes de desempenhar seu trabalho com conhecimento, inovação, sensibilidade e consciência. Às escolas de design cabe a responsabilidade de fomentar essas qualidades no aluno, e não uma atitude de atender resignadamente às vicissitudes de um sistema consumista obcecado com lucros rápidos e com o curtíssimo prazo. As escolas e faculdades devem satisfações a toda a sociedade e não apenas àquelas empresas que empregam designers diretamente. O designer precisa ser formado para ser verdadeiramente profissional, no sentido em que fala a profissão médica, e para ter consciência de suas obrigações para com a sociedade como um todo e não apenas com os lucros do seu cliente. O designer precisa ser hipocrático, não hipócrita.

Pra finalizar, concordo com o manifesto, quando ele se posiciona contra fórmulas prontas da academia e contra os achismos dos designers. Mas acredito que isso não é um problema do design. Isso é um problema das pessoas. Portanto, o nome Anti-Design não reflete adequadamente a essência do manifesto, pois o que se deve combater não é o design em si e sim os mau designers.

15 de set. de 2007

Importância das marcas quando consumidores querem achar soluções

Segundo o livro "Comportamento do consumidor e pesquisa de mercado" (Pinheiro et al), por trás do ato de comprar, encontra-se um importante processo decisório, composto por cinco estágios:

1. Reconhecimento do problema
2. Busca de informações
3. Avaliação de alternativas
4. Decisão de compra
5. Comportamento pós-compra

Ainda segundo este livro, depois de reconhecer um problema, nós queremos achar informações pra solucioná-lo. Essa informação pode ser achada através de uma busca interna (na memória pessoal) ou através de uma busca externa (fontes pessoais, públicas ou controladas pelo marketing). As fontes pessoais podem ser amigos, parentes; as públicas podem ser jornais, revistas especializadas, sites de informação; as controladas pelo marketing podem ser test-drives, degustações, conversas com vendedores, etc.

Kevin Keller, no livro "Gestão Estratégica de Marcas" demonstra que a busca interna para achar informações para a solução de problemas é afetada em grande parte pela lembrança da marca. Segundo ele, a lembrança da marca consiste no desempenho do reconhecimento da marca e da lembrança espontânea de marca.

Keller ainda explica que reconhecer significa lembrar-se de um contato prévio quando se é exposto à marca. Já a lembrança espontânea não depende da exposição física à marca, mas acontece quando o consumidor é exposto à categoria em questão, ou a um cenário de uso que exige uma solução pra um problema.

Ele ainda afirma que, quando se trata de "achar, buscar, lembrar" uma informação, produto ou serviço, a marca é importante por 3 motivos:

Aprendizagem: a marca afeta a tomada de decisões do consumidor;

Consideração: aumentar a lembrança da marca aumenta a possibilidade de que ela venha a se tornar um membro do grupo de consideração (conjunto de marcas consideradas para a compra);

Escolha: em decisões de baixo envolvimento, um nível mínimo de lembrança de marca pode ser suficiente para a escolha do produto, mesmo na ausência de uma atitude bem formada ("Familiarity and its impact on consumer biases and heuristics", Journal of Consumer Research, 8, set. 1981, p. 223-230)

Como se cria lembrança de marca então? Ela é criada através do aumento da familiaridade com a marca mediante exposição ou interação repetida. Isso significa que quanto mais um consumidor "experimentar" a marca por vê-la, ouvi-la ou por pensar nela, maior será a probabilidade de esta ficar fortemente registrada em sua memória.

Esse conceito demonstra a importância que a Internet possui nos processos de memorização, na medida em que ela serve como fonte de experiências positivas e de informações, que tem potencial para apoiar o processo decisório dos usuários.

Centro no usuário: idéia nova?

Ultimamente o usuário tem ocupado cada vez mais o centro das atenções na Internet. Estudos de mídia online, usabilidade centrada no usuário, mídia gerada pelo consumidor, comportamento das comunidades, conteúdo criado pelos internautas, Web 2.0, enfim, são vários os pontos de interesse nessa figura que antes era apenas vista como um detalhe perto da estrela emergente, chamada de “grande rede de computadores”. Só que no começo nem todos se lembravam que na frente de cada computador poderia haver um ser humano, com interesses únicos e individuais.

A partir de então, o usuário começou a ganhar cada vez mais importância, com direito a defensores dos seus interesses, empresas que procuravam escutar seus anseios e levar em conta suas necessidades. No entanto, o interesse no usuário/ser humano pode ser algo novo na Internet, mas não é fora dela.

Diferentes áreas do conhecimento como antropologia, ergonomia, psicologia, semiótica e retórica já tinham percebido que o ser humano é fator central em qualquer atividade, pois o resultado final de tudo que o homem faz é voltado para ele, ou seja, o fim de toda atividade é transformar o próprio homem.

  • · No caso da antropologia, desde a antigüidade clássica, os gregos já refletiam sobre o papel do homem e utilizavam a “medida humana” como centro de discussão acerca do mundo. Isso demonstrava uma preocupação antropológica, ou seja, procurava um conhecimento completo sobre o homem, suas produções e seu comportamento.
  • · A ergonomia desde 1700 d.C. (com os estudos de Bernardino Ramazzini) já se voltava para o homem como objeto de estudo, visando projetar sistemas, tarefas, produtos, ambientes e trabalhos que fossem compatíveis com as suas necessidades, habilidades e limitações, razão pela qual a ergonomia também é chamada nos EUA de “fatores humanos”.
  • · A psicologia também estuda os processos mentais e o comportamento humano e animal. Em 1879, Wilhelm Wundt já praticava a psicologia separadamente da filosofia, na Universidade de Leipzig (Alemanha), trazendo à tona as questões sobre a relação do ser humano com o ambiente e consigo mesmo.
  • · Assim como a psicologia, a semiótica encara o ser humano como ponto central do seu estudo, na medida em que ele age como o interpretante dos signos, atribuindo significados que são únicos e particulares para cada indivíduo. Ou seja, nunca há dois significados iguais, pois não há dois seres humanos iguais. E o ato semiótico pode ser considerado tão antigo quanto a existência do ser humano, desde o Gênesis bíblico, quando "Tendo, pois, o Senhor Deus formado da terra todos os animais dos campos, e todas as aves dos céus, levou-os ao homem, para ver como ele os havia de chamar; e todo o nome que o homem pôs aos animais vivos, esse é o seu verdadeiro nome. O homem pôs nomes a todos os animais, a todas as aves dos céus e a todos os animais dos campos...". Coube ao homem dar significado ao que o cercava, pois seria o próprio homem que iria desfrutar dele.
  • · Por fim, o grego Aristóteles, quase 400 anos antes de Cristo, já dizia que a expectativa emocional do ser humano, junto com a credibilidade do orador e a qualidade da sua mensagem, eram essenciais na arte do convencimento ou retórica. Novamente, não tem como se falar de persuasão sem levar em conta as características únicas que cada ser humano possui e como ele contribui para o desfecho final do que é dito no discurso.

Portanto, quem deseja tirar proveito do que a Internet oferece em termos de potencialidades faria bem em aprender com essas ciências que há séculos analisam o comportamento humano e o modo como nós interagimos com o ambiente e dele extraímos significado.

20 de fev. de 2007

Design ou Especulação?

Faculdades ensinam conceitos de design que não tem nenhuma comprovação, e não são questionadas por isso.

— “Usei a cor amarela na logomarca pois pesquisas mostram que essa cor dá fome e usei vermelho pois é uma cor estimulante. Prova disso é que o McDonald´s usa essas cores.”

Chute.

— “Usei o azul pois é uma cor que transmite confiança.”

Outro chute.

— “Coloquei o título em cima pois tudo o que fica em cima tem mais importância.”

Mais um chute. E sem fazer gol.

É impressionante a quantidade de argumentos usados por designers, diretores de arte e outros profissionais, que afirmam ter base científica para justificar suas escolhas. O “profissional” finge que entende o que faz. O cliente finge que acredita. Mas o consumidor não finge que compra.

De onde vem tudo isso?
Parte desse comportamento começa nas faculdades de Design. Ano após ano professores continuam repetindo aquilo que aprenderam quando eram alunos e que, só porque foi dito numa faculdade, ganhou status de “verdade absoluta”. “Ah, mas foi o professor quem falou!”. Está garantida então a continuidade dos achismos e especulações, que ninguém ousa criticar, ora porque ache que tudo que se ensine nas faculdades seja verdade ou porque não tenha outra referência para comparar e perceber a besteira que está sendo dita.

Os mitos se perpetuam
O resultado? Milhares e milhares de alunos saem repetindo ensinamentos ditos “verdadeiros” que não passaram por nenhuma validação e que não sobrevivem ao primeiro “mas você tem certeza disso?”.

Muitos designers saem repetindo fórmulas prontas do tipo:
  • “letras serifadas são mais fáceis de ler em textos longos”
  • “o olho vê a página num movimento diagonal”
  • “a cor vermelha chama a atenção”
  • “o tamanho ideal de texto é corpo 10 a 12”
  • “a resolução adequada de imagem é 300 dpi”

Mas a regra mais importante não é ensinada. Aquela que diz que “tudo depende”. Todas essas afirmações citadas são questionáveis e carecem de fundamento.

Por que fazemos vista grossa?
Mas admitir essa falha significa também admitir que todas aquelas justificativas dadas pelos designers aos clientes, pelos alunos aos professores, pelos professores aos alunos, na verdade não passam de pura especulação, mera suposição.

Quais as consequências? Imagine se anestesistas dissessem para cirurgiões: “eu acho que a paciente aguenta 500 ml disso”. Ou se um dentista dissesse para o paciente que não tem certeza, mas acha que é melhor arrancar todos os dentes. Enfim, se apoiar em mero achismo gera insegurança e falta de confiança no profissional. Afinal, ele é pago para ter segurança no que diz, e não demonstrar incerteza.

Toda vez que um designer vai tentar justificar uma decisão e não consegue, o cliente fica convencido que tudo não passa de intuição, gosto pessoal. E gosto por gosto, o cliente prefere ficar com o dele próprio, pois ele não vai confiar os rumos do seu negócio numa decisão que mais parece uni-du-ni-tê do que uma escolha com base sólida.

Eu sou o senhor do conhecimento
Muitos designers podem pensar que eles tem mais capacidade que um cliente para decidir pois:
  • são formados numa faculdade
  • leram um livro sobre o assunto
  • tem mais experiência para decidir
  • possuem um “feeling” para a coisa
  • receberam um dom de Deus.
Só que:
  • o fato de ter sido ensinado numa faculdade não é garantia de que o conhecimento é válido,
  • estar escrito em um livro também não é certificado de validade,
  • a experiência do designer não é prova de que os casos que ele vivenciou se aplicam a tudo e possam ser generalizados,
  • basear-se em “feeling” (intuição) é pura especulação e em muitos casos é apenas uma desculpa para se colocar numa posição superior aos outros, alegando ter uma capacidade especial que poucos têm, um talento dado por Deus.
Ainda existe a cultura de que os designers, arquitetos, diretores de arte, tem uma capacidade especial, quase mística, de gerar soluções ideais, sem precisar justificar suas decisões. Essa é a visão do designer autoral, aquela pessoa que assina sozinha um projeto inteiro. Num trabalho em equipe, como a multimídia e o cinema, esse modelo está em desuso. Em ambientes multidisciplinares, com profissionais de diferentes competências, a postura do designer-deus se torna um problema e dá margem para conflitos.

O designer seria muito beneficiado se não aceitasse prontamente qualquer “vento de ensino” e procurasse ter uma visão crítica a respeito daquilo que é considerado “verdade” mas se configura como mera repetição da repetição da repetição de algo que se ouviu dizer que alguém falou.

O que fazer?
Algo que pode ser útil como ponto de partida para esse questionamento, é o que o gestaltismo prega quando diz que “o todo é mais que a soma das partes” ou que “se uma parte muda, a percepção do todo pode se modificar”. Em poucas palavras, isso quer dizer que muitas regras ensinadas nas universidades não valem para TODAS as situações, pois a mudança de um único detalhe pode implicar em mudanças no quadro geral.

Dizer que pontos vermelhos chamam a atenção e transformar isso em regra, por exemplo, desconsidera um princípio geral: “TUDO DEPENDE”. Um ponto vermelho chama a atenção num fundo branco. Mas e se o fundo também for vermelho? E se o fundo for preto? E se isso for visto de noite, sob a chuva forte? Depende, tudo depende.

Portanto, abrir os olhos e não aceitar prontamente tudo que nos ensinam pode gerar um movimento positivo a favor do aprimoramento do design. Na medicina, muitos precisaram morrer para que médicos questionassem alguns mitos. No design não é diferente. Enquanto não procurarmos fundamentos sólidos nos quais apoiar nossas escolhas e argumentos, alunos continuarão sem entender porque tiraram zero, clientes continuarão com dificuldades para confiar em nós e, não menos importante, o design demorará a alcançar o respeito que a profissão merece.