20 de nov. de 2008
Que faculdade cursar? Publicidade ou Design?
Tanto propaganda, quanto jornalismo, quanto design gráfico, quanto relações públicas, quanto artes cênicas, quanto artes plásticas, e quanto outro montão de áreas, são da área da comunicação. Podemos dizer que temos a
* comunicação escrita,
* comunicação ilustrada,
* comunicação falada,
* comunicação em grupo,
* comunicação em massa,
* comunicação consigo mesmo,
* comunicação por ação,
* comunicação impressa,
* comunicação química,
* comunicação pelo tato,
* comunicação por símbolos,
* comunicação por sons,
* comunicação por cultura material,
* comunicação por imagens,
* comunicação pelas artes
* etc
* etc
* etc
Se você é jornalista, deve ter estudado Teoria da Comunicação, e deve ter aprendido que diferentes áreas dão diferentes enfoques ao que se entende como comunicação. Uma coisa é certa: comunicação é condição para que exista a sociedade, comunicação dá dinheiro e comunicação todo mundo quer fazer.
Os meios como podemos comunicar, o tipo de mensagens que enviamos, o código utilizado, a escolha do conteúdo, o tratamento dado à mensagem, e assim por diante, mudam de área pra área.
O que diferencia o design gráfico de outras áreas, é o enfoque visual dado à comunicação e não apenas o verbal. Tanto o jornalismo, a propaganda e o design gráfico se aproximam, quando se trata da preocupação com a apresentação visual da informação. Isso gera esse tipo de disputa, onde um acha que tem mais direito ou primazia no tratamento visual da mensagem. Alguns profissionais formados nas faculdades de comunicação social querem ser diretores de arte. Os designers gráficos também. Quem deve ser responsável pela comunicação visual, dentro de uma agência de comunicação?
Eu defendo que você pode cuidar da apresentação visual, independente da sua profissão. Você pode ser pipoqueiro, cuspidor de fogo, publicitário, médico ou advogado e pode emitir mensagens visuais desde que você tenha competência pra isso. E a competência para emitir esse tipo de mensagem depende de alguns requisitos, dentre eles:
Conhecimento fundamental sobre
* objetivos de comunicação
* emissores de mensagem (incluindo suas habilidades de comunicação, atitudes, nível de conhecimento, posição no sistema social e no contexto cultural)
* receptores da mensagem (idem acima)
* canais utilizados
* mensagem (elementos e estrutura do código visual, conteúdo, tratamento visual da mensagem)
* codificação e decodificação de mensagens através da percepção visual
* processos de previsão da reação comportamental à mensagem visual, usando empatia, papéis sociais e contexto cultural
* processos de interpretação de mensagens visuais e seus condicionantes culturais (semiótica)
* técnica de representação visual (por meio de computadores, softwares gráficos ou por outros instrumentos)
* técnicas de produção gráfica
Dentro do conhecimento fundamental sobre a mensagem, podemos alistar também conhecimentos sobre
* elementos visuais (ponto, linha, plano, formas, cor, tipografia, texturas, padrões, imagens de toda natureza)
* princípios de composição (unidade, ritmo, harmonia, escala, proporção, equilíbrio, figura/fundo, enquadramento, hierarquia, modularidade, grid, diagramas, tempo)
Quando possível, é desejável que também tenha conhecimentos sobre
* história da arte e da comunicação por imagens
* antropologia cultural
* sistemas de informação visual
* imagem sequenciada
* desenho e ilustração
* interação humano-computador
* mercadologia
Se uma pessoa tem essas competências, ela tem toda liberdade pra emitir mensagens visuais e até participar de um concurso público que exija esse tipo de habilidade.
Então, qual a diferença entre um curso de publicidade/propaganda e um curso de design, se nos 2 cursos, as competências "fundamentais" são ensinadas? A diferença principal é o tempo. Numa faculdade de publicidade (tomando a Universidade Federal do Paraná como exemplo), os alunos tem 2 disciplinas para aprender sobre elementos visuais e princípios de composição. Isso significa 180 horas no total (4 créditos de 45 horas). No curso de design gráfico, da UFPR, os alunos gastam 1260 horas (28 créditos de 45 horas) para aprender esse mesmo conteúdo, podendo se dedicar a ele com mais profundidade e detalhe.
Em compensação, o curso de Publicidade tem conteúdos que o design gráfico não tem, como
* Sociologia,
* Filosofia,
* História Contemporânea,
* História da Mídia,
* Sociedade e Cultura,
* Comunicação e Tecnologia,
* Planejamento em Comunicação e Marketing, Comunicação Integrada,
* Introdução à Publicidade e Propaganda
* Psicologia do Consumidor
* Língua Portuguesa I
* Redação Publicitária
* Produção Publicitária em TV, Áudio e Cinema
* Técnicas de Veiculação (Mídia)
* Técnicas Básicas de TV
Como pode se notar, esses conteúdos são essenciais para um publicitário, mas no que diz respeito à construção de mensagens visuais gráficas, eles não são suficientes. Como algumas pessoas preferem trabalhar como diretores de arte, pode ser necessário complementar a faculdade de publicidade com um curso de design, ou estudando como auto-didata.
E o contrário também pode acontecer: um profissional formado em design gráfico, que queira trabalhar em agência de propaganda, também pode precisar estudar conteúdos que são dados em faculdades de comunicação social, para entender a relação entre as mensagens visuais e os demais fatores da comunicação, como contexto cultural, objetivos, suporte/mídia, atitude, conhecimento e habilidade do receptor etc.
Essa comparação que eu fiz, foi baseada na realidade da UFPR, universidade da qual faço parte. Se vocês conhecerem outras realidades, e quiserem contribuir para a discussão, fiquem à vontade, seria legal ter outros pontos de vista, mesmo discordantes, pra crescermos juntos =)
Ricardo Martins
14 de ago. de 2008
Série "Mitos do Design Gráfico" #1: Vermelho Chama Mais a Atenção
No começo da carreira como designer, eu também acreditava nesse "poder" da cor. Acreditava porque ouvia muita gente repetir, lia em livros, sites e até assistia na televisão. Como era um pensamento comum, eu aceitava, pois imaginava que era impossível ter tanta gente equivocada.
Tolinho. Eu era bem tolinho.
Mas, com o passar do tempo, e depois de estudar outros assuntos, além da teoria das cores, eu percebi que tinha alguma coisa errada nessa história de "chamar a atenção". Foi só depois de ler sobre a "atenção em si", em livros e periódicos de cognição, ergonomia e percepção visual, que eu cheguei à conclusão de que não tinham me contado tudo.
Pra responder essa questão sobre cores que atraem, precisamos entender o que é a atenção e como ela se relaciona com a percepção visual. (Antes, um aviso: se você acha que já sabe tudo sobre cor e percepção, não precisa ler o artigo, ele não tem nenhuma novidade pra você).
O que é a atenção?
A atenção é o processo cerebral em que nos concentramos seletivamente em um aspecto do ambiente enquanto deixamos outros de lado.
Antes de prestar atenção em algo, é preciso senti-lo, captá-lo com nossos sentidos. No entanto, visto que nosso cérebro é limitado, ele não reage "a todos os estímulos que recebe", seja uma cor vermelha, amarela ou qualquer outra. Se não fosse assim, o cérebro entraria em colapso, dada a quantidade absurda de estímulos que chegam a nós. Autores como Ornstein (1986) chegam a dizer que diariamente recebemos bilhões de estímulos.
Por isso, o cérebro desenvolveu a chamada seleção perceptiva, ou seja, as pessoas atendem apenas a uma pequena porção dos estímulos a que são expostos. Logo, usar vermelho não é garantia de que algo vai chamar mais ou menos atenção, pois a pessoa pode simplesmente ignorar essa cor.
Mas digamos que o vermelho foi uma das cores que a percepção detectou. Isso significa que ela irá chamar mais a atenção em relação às demais cores (ou comprimentos vísiveis da luz branca)? Não necessariamente.
Visão antiga
Essa idéia de que o vermelho "chama mais a atenção" reflete uma visão antiga, pavloviana, passiva, sobre o comportamento humano, do tipo "ligue o botão A e acontecerá a reação B" ou "use a cor X e o cérebro fará Y". Esse tipo de pensamento ignora o fato de que a percepção é um processo ativo, que é afetado por filtros baseados nas nossas experiências anteriores e na cultura.
Nem tudo é percebido
Um desses filtros é chamado de vigilância perceptiva, ou seja, as pessoas tem uma tendência a perceber estímulos que se relacionam com suas necessidades presentes. Se uma pessoa precisa encontrar um objeto cuja cor ele sabe que é amarela (uma caixa de Maizena, num supermercado, por ex.) ele pode simplesmente ignorar objetos de cor vermelha e sequer prestar atenção nela. O mesmo acontece quando procuramos um livro verde na estante ou um link azul numa página de Internet. Nossa necessidade filtra os estímulos e nos faz reagir apenas aos que nos interessam.
Outro filtro utilizado pelo cérebro é a defesa ou distorção perceptiva. Isso significa que as pessoas vêem o que elas querem ver. Esse fenômeno explica porque nem sempre as pessoas interpretam nossas mensagens visuais da maneira como gostaríamos, mas sim do jeito que elas bem entenderem. Nesse processo de distorção, o uso do vermelho não garante que alguém vai selecionar esse estímulo e muito menos prestar atenção nele. Os interesses e necessidades individuais tem papel dominante, independente do uso de uma cor vibrante.
Por último, um fator que questiona essa supremacia da cor X ou Y é a adaptação, ou seja, o grau em que uma pessoa continua notando um estímulo com o passar do tempo. No processo de adaptação, as pessoas simplesmente podem deixar de prestar atenção a um estímulo, ou cor, só porque ela ficou muito familiar. Isso também pode ser chamado de "habituação", que é quando um estímulo perde força. Os psicólogos detectaram vários fatores que podem gerar adaptação, como a intensidade do estímulo, duração, discriminação, exposição e relevância.
Isso quer dizer que a cor não tem impacto nenhum na nossa atenção?
Sim, possui, mas ela não trabalha de maneira isolada. É a cor, combinada com outros fatores do ambiente e do contexto, que podem atrair ou afastar a atenção. Em geral, os estímulos que são diferentes de outros ao redor tem mais chance de serem notados. Isso pode ser obtido com o tamanho, a cor, a posição ou a simples novidade (aparecer em um lugar inesperado). Utilizar um azul na embalagem, numa categoria de alimentos em que todas as embalagens são vermelhas, pode ter um efeito psicológico atrativo muito mais forte.
Conclusão
Logo, não é a cor vermelha que vai chamar a atenção e sim esse estímulo em relação a outros fatores como o interesse da pessoa, a quantidade de vezes em que ela foi exposta antes àquela cor, quais cores estão no ambiente ao redor, qual a proporção da área vermelha - é um ponto vermelho ou um metro quadrado? -, qual a relação pessoal que o indivíduo tem em relação ao vermelho, em que contexto a pessoa se encontra, que necessidade ela tem no momento, etc.
Muitos designers tem essa consciência, e sabem que essas receitas prontas de design poupam tempo, mas não resolvem o problema. Infelizmente, discutir esses temas é motivo pra arrumar briga, pois pra muita gente esses mitos são tabus, coisas sagradas que não podem ser tocadas. Quem sabe, com este artigo, elas se dêem conta de que as coisas não são tão simples como parecem, e que vale a pena ir mais a fundo nessas questões.
Referências
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Ornstein, R. (1986) The Psychology of Consciousness (1986). 4a edição. Penguin Books.
Harré, R. (2002) Cognitive science: A philosophical introduction. Londres: SAGE Publications.
Deutsch, J.A. & Deutsch, D., (1963) Attention: some theoretical considerations. Psychological Review, 70, 80-90.
Treisman, A., & Gelade, G. (1980) A feature-integration theory of attention. Cognitive Psychology, 12,97-136.
Wolfe, J. M. (1994) "Guided search 2.0: a revised model of visual search." Psychonomic Bulletin Review 1: 202-238.
26 de mai. de 2008
Adequação retórica da face tipográfica
Introdução
Escolher a face tipográfica é uma das tarefas mais complexas e importantes enfrentadas por um designer da informação. Notadamente, a escolha da face tipográfica é um importante aspecto tangível não apenas em documentos mas em outros projetos de design como identidade visual, embalagens, websites, sinalização, dentre outros (THANGARAJ; OMAN e COOK, 1990; BRINGHURST, 1992; ROGENER, POOL et al., 1995; SCHRIVER, 1997; GOBÉ, 2001; CHILDERS e JASS, 2002; SPIEKERMANN e GINGER, 2003).
São muitos os fatores que influenciam essa decisão, como a adequação ao objetivo comunicacional, gênero, processo reprodutivo, condições de visualização, níveis de informação, idioma, contexto histórico, legibilidade, além do alinhamento retórico ao discurso da mensagem (BRINGHURST, 1992; SCHRIVER, 1997).
A adequação retórica, assim como os demais fatores, há muito tempo é objeto de pesquisas, identificadas sob palavras chaves como rhetorical typography, typeface persona, typeface suitability, text personas, typeface personality e assim por diante (WALLER, 1987; TRUMMEL, 1988; DIGIOGIA, 1995; LUND, 1999; BRUMBERGER, 2003b; a; BRUMBERGER, 2004; MACKIEWICZ e MOELLER, 2004; ARDITI e CHO, 2005).
Para Schriver (1997), não basta fazer um documento legível. A segunda característica importante para uma boa escolha de tipo é a adequação retórica, ou seja, a relação entre a face tipográfica, o propósito do documento, seu gênero, a situação e as necessidades, desejos e objetivos da audiência. Isso é importante para que a tipografia influencie a maneira como os leitores percebem, organizam e memorizam o conteúdo dos documentos.
Muito se fala sobre a escolha apropriada da face tipográfica, levando-se em conta os diferentes fatores da comunicação, mas uma das mais difíceis decisões recai sobre o valor semântico, no que diz respeito ao significado ou personalidade da forma da letra (SCHRIVER, 1997). A dificuldade vem do fato de ser um fator subjetivo, de difícil mensuração.
Pesquisas sobre personalidade tipográfica
Já faz tempo que se estuda a personalidade das letras. Dentre os primeiros estudos estão Poffenberg e Franken (1923) que avaliaram 29 faces e Brinton (1961) que utilizou a técnica do diferencial semântico para verificar a percepção por parte de grupos de experts e amadores.
Depois deles, diversos livros e artigos sugerem que determinadas faces possuem personalidades, tons ou vozes próprias e que é tarefa do designer decidir qual delas se alinha com o objetivo retórico do discurso tipográfico (WALKER, SMITH et al., 1986; TRUMMEL, 1988; BRUMBERGER, 2003b; a; BRUMBERGER, 2004; MACKIEWICZ e MOELLER, 2004). Esses estudos tentaram demonstrar que os leitores tem consciência e habilidades para fazer julgamentos acerca da adequação da face tipográfica (BRUMBERGER, 2003a). Dentre esses estudos, Jan Tschichold (1991) defendia que diferentes faces tipográficas tinham personalidades diferentes e que o caráter do tipo deveria combinar com o caráter do texto verbal.
Outros ainda argumentam que a linguagem visual da tipografia e outros elementos podem oferecer uma textura visual, tom e clima e que a linguagem sugere uma instância retórica: séria, conversacional, depressiva, energética, altamente técnica ou amigável (KOSTELNICK, 1990).
Até mesmo a defensora da “transparência tipográfica”, Beatrice Warde, em seu livro “The Cristal Goblet”, se contradiz ao reconhecer a força retórica do tipo quando diz: “Monte uma página em Fournier em oposição a outra em Caslon e outra em Palatino e será como se você tivesse ouvido três diferentes pessoas fazendo o mesmo discurso” (WARDE, 1956). Se a transparência do tipo fosse possível, essa contaminação retórica não ocorreria.
A pesquisa de Eva Brumberger
Num artigo de 17 páginas, intitulado “The Rhetoric of Typography: The Persona of Typeface and Text”, Eva Brumberger (2003b), faz uma tentativa de demonstrar que 15 diferentes faces tipográficas continham uma dimensão semântica própria, e que conhecê-las seria uma ferramenta para designers tomarem decisões sobre adequação retórica do tipo.
O método que Brumberger utilizou, tinha como objetivo investigar se os leitores associavam CONSISTENTEMENTE atributos de personalidade para faces tipográficas específicas.
Deficiências da pesquisa sobre personalidade do tipo
No entanto, ela mesma reconhece que o objetivo da pesquisa não era esgotar o assunto, mas servir de base para pesquisas futuras. E novas pesquisas vão ser realmente necessárias, pois o trabalho de Brumberger tem diversas deficiências e se baseia em premissas que já foram questionadas cientificamente.
A primeira deficiência do artigo refere-se ao argumento de que faces tipográficas tem personalidades particulares, CONSISTENTEMENTE associadas ao tipo. No entanto, Brumberger não deixa claro que essa personalidade não é consequência da face tipográfica e sim do seu uso dentro de um experimento controlado, em condições que não refletem uma situação real de uso. Ela mesma diz no seu artigo que “este estudo não visa simular uma situação típica de leitura” (BRUMBERGER, 2003b). Prova disso é que as amostras de faces tipográficas utilizadas nessa pesquisa mostravam o alfabeto completo (em caixa alta e baixa), com números e a frase “A quick brown fox jumped over the lazy dog”, que usa todas as letras do alfabeto. Essa situação de leitura não é comum, pois raramente todas as letras do alfabeto são encontradas juntas e dispostas na ordem alfabética. Portanto, não possui validade ecológica.
Além disso, todas as letras da amostra tinham o corpo 14 como referência. Isso também é um problema, visto que o corpo não mede a face tipográfica e sim a altura do tipo (SCHRIVER, 1997). Uma letra do tipo Script tem tamanho visual relativo bem menor do que uma letra não-serifada e isso é uma variável que pode interferir na atribuição de “personalidade”, configurando falta de validade interna na pesquisa.
Além do problema de validade interna e ecológica, a pesquisa de Brumberger tem uma deficiência conceitual: a forma das letras não encerra significado em si, como se fosse uma caixa que armazena sentimentos. O cérebro não julga o discurso tipográfico através da forma das letras e sim pelas relações no discurso, afetadas pelo gênero do objeto avaliado (BARRY, 1997; HOFFMAN, 1998).
As coisas não significam
O significado não está nas palavras, nem nas faces tipográficas, ele está nas pessoas (BERLO, 1929). E esse significado é construído segundo o contexto, de modo que cada situação pode modificar completamente a voz ou personalidade do signo. Não são as partes isoladas que conferem significado à forma e sim suas relações com o contexto, tanto no nível interno do objeto, quanto nos níveis fora dele, que incluem contexto cultural, fisiológico, cognitivo etc (SIQUEIRA, 2006). Como disse Fernando Pessoa, “o que vemos não é o que vemos, senão o que somos” (PESSOA, 1982).
Por essa razão, uma mesma face tipográfica, como por exemplo a Univers (Adrian Frutiger), pode ter “personalidades” diferentes, ora numa amostra em que aparece isolada de outros elementos, ora dentro de um layout repleto de outros fatores visuais como cor, fotografias, ruídos etc. Isso demonstra que a “personalidade” não pertence à face tipográfica e sim à relação dinâmica que surge num contexto de uso real. Isso é, em outras palavras, o que os gestaltistas chamavam de “todo maior que a soma das partes” (BARRY, 1997).
Julgamento inconsciente se baseia no todo
Não bastasse isso, o julgamento sobre a personalidade e adequação retórica de um tipo é feito muito antes da consciência, através da amídala cerebral. O neurocientista Joseph Ledoux demonstrou que milésimos de segundos antes de percebermos conscientemente alguma coisa, não apenas compreendemos inconscientemente o que é, mas decidimos se gostamos ou não dela. O inconsciente cognitivo apresenta à nossa consciência não apenas a identidade do que vemos, mas uma opinião ou julgamento sobre o que vemos (TISKI-FRANCKOWIAK, 2000). Essa opinião ou atribuição de uma “personalidade” tipográfica, quando vemos a forma de um determinado tipo de letra, é resultado do processo global perceptivo e não apenas da face tipográfica.
Efeito aura e a inferência sobre a personalidade
Outro fator que prova que a personalidade não é resultante apenas da forma tipográfica e sim da soma total de estímulos presentes no contexto, é o “efeito aura” (halo effect). Esse efeito foi estudado pelo psicólogo Edward Thorndike que descobriu nos humanos essa “tendência a fazer inferências sobre traços específicos, com base em uma impressão geral”. Shriver (1997) define o efeito aura como “a tendência de uma pessoa a superestimar ou subestimar a performance de uma pessoa, serviço ou produto com base em informações prévias, que tendenciam o julgamento”.
O efeito aura é um jeito de a mente criar e manter um quadro coerente e consistente para reduzir a dissonância cognitiva. Além disso, tem a função heurística, ou seja, “é uma regra prática que as pessoas usam para fazer suposições sobre coisas que são difíceis de acessar diretamente”. Conforme Rosenzweig, “não é tanto o resultado de uma distorção consciente quanto a tendência humana natural para traçar juízos sobre coisas abstratas e ambíguas com base em outras que são mais evidentes e aparentemente objetivas” (ROSENZWEIG, 2008).
Uma das consequências práticas do efeito aura acontece quando alguém olha um layout e é questionado sobre a “personalidade” da face tipográfica e o cérebro usa a impressão global do contexto para inferir essas características. Desse modo, dizer que o tipo Helvetica é mais “neutro” e o tipo “Script” é mais informal não condiz com esse comportamento. Uma mesma face tipográfica colocada em diferentes contextos, é afetada por “auras” diferentes, contaminando a impressão que se tem do tipo de letra.
Conclusão
Logo, atribuir significados permanentes ou uma personalidade a faces tipográficas específicas desconsidera a forma relativa como o processo perceptivo opera. Por isso, futuras pesquisas sobre adequação retórica deveriam avaliar a percepção tipográfica em contextos diferentes para estimar a forma como outros fatores visuais interferem na atribuição de significados.
Referências
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Brumberger, E. R. The Rhetoric of Typography: The Awareness and Impact of Typeface Appropriateness. Technical Communication, v.50, n.2, p.224-231. 2003a.
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Warde, B. The Crystal Goblet: Sixteen Essays on Typography: World Pub. Co. 1956
22 de mai. de 2008
Análise crítica da visão dicotômica de representação
Introdução
A representação da realidade é um importante instrumento de comunicação para os designers gráficos e de informação. Alguns modelos tentam dar conta da classificação desses diferentes modos de representação. Um modelo é o semiótico, baseado na iconicidade e similaridade. Num artigo publicado em 2001, no Information Design Journal, Elzbieta Kazmierczak defende que a representação por diagramas, embora seja abandonada desde cedo, no desenvolvimento das crianças, é superior. Segundo ela, a imitação que domina a cultura Ocidental está fundamentada na ênfase inadequada sobre a aparência, que desvia a atenção do que realmente importa, que é a essência. O texto a seguir demonstra que esse juízo de valor é precipitado e que a dicotomia entre imitação e representação é insuficiente para descrever o espectro contínuo da visualidade.
Tipos de representação
Segundo Kazmierczak (2001) temos duas formas principais de visualização: a arte imitacional e a não-imitacional, sendo que uma delas é materializada através de imagens e a outra por diagramas. Essas definições estão alinhadas com a classificação peirceana onde as imagens são ícones que representam qualidades visuais imediatas e os diagramas são ícones que representam relações estruturais (KAZMIERCZAK, 2001).
Outra distinção referente à imagem e diagrama, é que a primeira é usada para imitar a realidade e o último para representá-la. A imitação viria da tradição Aristotélica, em que a função da arte é o puro mimetismo, uma simples descrição da aparência da realidade. (KAZMIERCZAK, 2001).
Ao invés de imitar, designers de informação e designers gráficos usam diagramas para representar as relações dentro da realidade, tornando aparentes as relações lógicas e estruturais, antes invisíveis (KAZMIERCZAK, 2001).
Enquanto as imagens são ferramentas efetivas para modelar a realidade conforme a vemos, os diagramas são melhores para modelá-la conforme a entendemos. Por isso, diagramas requerem um alto grau de elaboração intelectual da realidade, ao contrário das imagens, que não tem essa exigência (KAZMIERCZAK, 2001).
Logo, a imagem, enquanto tipo de conhecimento advindo da realidade, é um agente de conhecimento visual. Já o diagrama é um agente de conhecimento conceitual, mais elaborado, portanto.
Imagem é inferior ao diagrama
Ao apresentar essa simples polarização entre imagem e diagrama, sob o ponto de vista semiótico, Kazmierczak (2001) faz parecer em seu artigo que o modo de representação literal é inferior ao modo diagramático, pois descreve apenas a aparência da realidade, ao invés de ir além, informando sobre suas relações.
Ela defende a superioridade dos diagramas, ao citar que as crianças começam a desenhar usando essas formas de representação da realidade, concentrando-se nas características e relações estruturais de um objeto, ao invés de focar na aparência imediata. Segundo ela, a maioria das crianças ocidentais, por volta da 5ª série, perdem o senso de encantamento com o desenvolvimento da forma, inclusive diagramas. Isso acontece quando comparam seus desenhos com o modelo cultural vigente e percebem que parecem estar falhando nas suas representações (KAZMIERCZAK, 2001).
Além de usar o comportamento infantil como defesa de sua tese, Kazmierczak usa a filosofia oriental como argumento. No Oriente, o paradigma que governa a representação é o diagrama, uma estética que se baseia em algo que não é a semelhança imediata com a realidade. Na cultura oriental, a aparência externa parece ter menos importância, sendo que as relações e a essência tem maior valor. Há uma oposição da regra ocidental do “mais e melhor” com o oriental “menos é melhor” (KAZMIERCZAK, 2001).
Diferentemente da cultura oriental, no Ocidente, a estética do realismo e a arte imitacional dominam a mídia e dirigem as expectativas do público em geral, levando a uma preocupação que enfatiza a aparência e define a imagem como um indicador da qualidade (KAZMIERCZAK, 2001).
Considerações sobre a visão semiótica de Kazmierczak
Entendemos que classificações semióticas são úteis no momento de estudar e analisar a realidade, e modelos taxonômicos servem para alinhar discursos e diferentes estudos sob as mesmas categorias, visando a economia de tempo e outros recursos.
No entanto, a semiótica, na tentativa de classificar conceitos e representações, descobriu que essa tarefa de reduzir o mundo a categorias não era tarefa fácil. O próprio Charles Peirce escreveu mais de 70.000 manuscritos (além dos que se perderam) na tentativa de sistematizar sua classificação, e não concluiu sua obra (NETTO, 1999). Isso pode ser explicado em parte pelo fato de que no mundo real as diferenças entre as coisas, idéias e conceitos não é tão simples assim.
O problema no artigo de Kazmierczak começa no uso do termo “representar” para diagramas e “imitar” para imagens, como se fossem ações de naturezas diferentes. A visualização da realidade se expressa em ambos os casos sob a forma de representação, sendo que o que muda é o grau de mimese e o objeto representado. A imitação que os artistas fazem da realidade, na forma de imagens também “representa”, do mesmo modo como os diagramas. Portanto, essa distinção entre imitação e representação para designar as formas de visualização parece inadequada e ambígua.
A separação entre “aspecto visível” e “estrutura inerente”, representados pela imagem pelo e diagrama, respectivamente, perde sentido quando se analisa a própria concepção de forma, que sempre inclui a estrutura (ALEXANDER, 1971; OSTROWER, 1987; WONG, 1998). Ou seja, quando um artista representa e descreve a realidade, a estrutura essencial dela está contida na imitação.
A forma resultante do processo de imitação, não é um processo passivo e, segundo Kazmierczack, desprovido de trabalho intelectual. Assim como o diagrama, a imagem é resultado de várias escolhas diante de tantas outras possibilidades de ordenação espacial. Essas decisões vem de processos de interpretação do meio físico e cultural, de necessidades, desejos, domínios de técnicas e tecnologias que viabilizam esses objetos (SIQUEIRA, 2006). Mais do que representar a realidade aparente, representa a condição humana.
Não bastasse o termo falho, para diferenciar imagem e diagrama, essa dicotomia sugerida pela autora não é real. O modelo mais próximo de representação da realidade refletiria uma gradualidade e não um cenário de pólos opostos e contraditórios.
Uma tentativa de descrever esse gradiente de representações, foi feita por Moles (1969) numa sequência crescente entre a imagem até diagrama, dando-lhe o nome de grau de iconicidade. Segundo ele, este grau liga-se em grande parte com a semelhança da imagem que é apresentada com o elemento icônico. O grau de iconicidade seria o oposto do grau de abstração, sendo inversamente proporcional. O grau de abstração refere-se à propriedade que uma imagem tem de descrever o mundo real, fazendo uma síntese dele.
O grau icônico pode variar entre dois extremos, que começam na representação concreta e vão até a abstração total, que é um signo que não tem relação nenhuma com o objeto representado, a não ser através de convenções culturalmente determinadas.
Num projeto de cartaz, Moles exemplifica de que maneira os designers aplicariam uma escala de iconicidade ou de abstração (veja Tabela 1) (MOLES, 1969). Ao invés de reduzir as representações a uma dicotomia simplória, ele se aproxima mais do contexto real, em que as descrições do mundo não são preto e branco, e sim uma mistura de tons, onde é difícil determinar onde eles começam e terminam.
Tabela 1. Extrato da escala de iconicidade adaptada ao cartaz. Escala de abstração crescente (MOLES, 1969).
Nº | Definição | Critério | Exemplo |
0 | O próprio objeto | Reduçao eidética no sentido de Husserl | O objeto de uma encenação teatral, a exposição, a vitrina da loja |
1 | Modelo 2D ou 3D | Cores e formas realistas, variações de escala, materiais arbitrários | Mostra factícia |
2 | Projeção 2D ou 3D | Cores e materiais simplificados em função de critérios lógicos | Fotografias realistas em cores |
3 | Foto P&B ou irrealismo das dimensões | Projeção e perspectiva rigorosas, meias-tintas, sombra | Catálogos ilustrados, cartazes, anúncios |
4 | Desenho ou fotografia, perfil salientado | Operação visual do universo aristotélico, conceito de corte e isolamento, conceito de cofre de jóias ou pedestal, ausência de gravidade, continuidade do contorno e fechamento da forma | Fotografias solarizadas, prospectos com cortes de fundo etc. |
5 | Esquema anatômico de construção | Abertura do envoltório, respeito da topografia arbitrária dos valores, quantificação dos elementos e simplificação | Corte anatômico de um motor de automóvel, carta geográfica, corte de uma máquina de lavar |
6 | Vista explodida, as peças são isoladas mas ficam em sua direção relativa | Disposição em perspectiva das peças segundo suas relações de vizinhança, demonstração de uma ligação ou de um encaixe | Cartaz de argumentação técnica, cartaz relativo a uma família homogênea de objetos |
7 | Esquema de princípio, realizado com símbolos | Substituição dos elementos por símbolos normatizados, passagem da topografia à topologia, geometrização, sintaxe de uma linguagem | Plano esquematizado do metrô, publicidade que apela para a pretensão de tecnicidade do espectador |
8 | Organograma ou esquema de bloco | Os elementos são caixas negras funcionais, ligadas por flechas ou conexões segundo uma análise das funções | Organograma de uma empresa, cartaz político, argumentação de organização ou de ligação |
Não bastasse a sua visão reducionista, Kazmierczak demonstra ainda juízo de valor em seu artigo, na medida em que defende a superioridade dos diagramas em relação às imagens. Segundo ela, crianças deveriam continuar desenhando diagramas e representando relações estruturais, ao invés de apenas mimetizar a aparência da realidade, e o ocidente seria beneficiado se seguisse o modelo oriental que enfatiza o “interior” e não o “exterior”.
Essa dicotomia lembra a antiga discussão sobre a superioridade do conteúdo versus forma, espírito versus corpo, visível versus invisível e o temporário versus o eterno da filosofia de Platão (PLATÃO, 2000). No entanto, conforme já se demonstrou, a distinção entre o interior e exterior, conteúdo e forma, não se aplica, visto que a forma também é conteúdo, assim como um diagrama também é imitação, só que em grau menor, e com foco em relações subjacentes e nem sempre tangíveis.
Talvez a intenção da autora, ao criticar a mimese imediata da realidade aparente, fosse questionar o comportamento fetichista da sociedade, que “adere” aos objetos significados e características que não fazem parte da sua essência “inerente”, num viés similar ao de Cardoso (1998). Sob esse ponto de vista, faria sentido fazer uma contraposição entre essência invisível e aparência visível. Mas a crítica não deveria ser contra a imitação do que se vê, mas o valor que se dá ao tangível.
Kazmierczak também argumenta que a ênfase na aparência externa seja cultural e, em parte, ditada pela mídia ou pela sociedade. No entanto, há pesquisas que demonstram que a preocupação com o lado exterior pode ser muito menos cultural e sim biológica. Um bebê nasce com preferências sobre a visualidade e faz julgamentos sobre a aparência imediatamente quando vê algo digno de atenção (ETCOFF, 1999). Se a importância sobre o aspecto externo fosse algo imposto culturalmente, bebês não demonstrariam preferências sobre fatores tangíveis. Mas não é isso que acontece.
Conclusão
Portanto, embora reconheça-se que a realidade possa ser representada de diferentes formas, e que imagens e diagramas refletem as duas formas principais, a separação dicotômica entre “imitação da aparência” e “representação das relações” é simplista demais. Ter consciência sobre os estágios intermediários de representação, presentes entre esses pólos, é mais útil para o designer que pretende representar a realidade com finalidade instrumental, visando atingir objetivos de comunicação.Referências
Etcoff, N. A Lei do Mais Belo. Rio de Janeiro: Objetiva. 1999
Kazmierczak, E. A semiotic perspective on aesthetic preferences, visual literacy, and information design. Information Design Journal, v.10, n.2, p.176-87. 2001.
Moles, A. O Cartaz; tradução de Miriam Garcia Mendes. São Paulo: Perspectiva. 1969
Netto, J. T. Semiótica, Informação e Comunicação. São Paulo: Perspectiva. 1999
Platão. Fédon; tradução de Maria Teresa de Azevedo. Brasília: UnB. 2000
14 de mai. de 2008
Desafios na Definição e Mensuração da Legibilidade
A ubiquidade da escrita é indiscutível. Somos uma sociedade verbal, dominada pelo verbal (KRESS e LEEUWEN, 1996). O uso da palavra escrita resolve vários problemas pra sociedade, ora como memória auxiliar, armazendo informações para futuros usos, ora como instrumento de comunicação, transmitindo informações efêmeras com o objetivo de dar apoio a tarefas. Serve ainda como ferramenta de dominação e expressão de poder, na medida em que os alfabetizados na escrita são encarados como mais aptos ou merecedores do comando social. Como disse Voltaire, “a pena é mais forte do que a espada”.
Mas a escrita também trouxe problemas já que escrever nem sempre é sinônimo de comunicação perfeita. Quando a escrita não é feita de maneira apropriada, visando atingir seu objetivo instrumental, surge toda sorte de consequências negativas.
LEGIBILIDADE E ESCRITA MÉDICA
Dentre essas consequências, podemos citar efeitos simples, como a mera falta de entendimento do texto, até danos à saúde, como no caso de uma escrita médica que leva à administração incorreta de medicamento, trazendo danos ao paciente.
Os legisladores brasileiros até tentaram evitar esse problema. No artigo 35, da Lei 5.991, de 1973, no item “a”, determina-se que somente “será aviada a receita que estiver escrita a tinta, em vernáculo por extenso e de modo legível” (BRASIL, 1973). O Código de Ética Médica, editado pela Resolução nº 1.246/88 do Conselho Federal de Medicina, no Capítulo III da Responsabilidade Profissional, artigo 39, ressalta que é proibido ao médico fazer receitas ilegíveis, obscuras e incompletas (FRANÇA, 1994).
Mas determinar que a escrita médica nas receitas seja “legível”, sem definir o que significa este termo ou qual o parâmetro que define o grau de legibilidade adequada, não resolve o problema.
FALTA DE CONSENSO NA DEFINIÇÃO
Mesmo entre os estudiosos não há consenso sobre o que é algo “legível”. A definição de legibilidade ainda é polêmica, com muitos conceitos diferentes (LUND, 1999). Se, entre especialistas, é difícil definir com precisão o que é legível, espera-se que entre leigos no assunto esse termo não transmita clareza.
Os primeiros estudos de legibilidade foram realizados no final do século 19 por Jean Anisson, sendo que ela foi objeto de preocupação de tipógrafos e designers gráficos por mais de 100 anos (SCHRIVER, 1997).
Dentre as definições que foram dadas pra legibilidade, Tinker (1963) afirmou que ela se refere à “percepção de letras e palavras, e a leitura de material textual contínuo”. Ele ainda disse que as formas das letras precisavam ser discriminadas, as formas características das palavras deviam ser percebidas e o texto contínuo deveria ser lido de modo preciso, rápido, fácil e com entendimento. Mas mesmo ele, especialista em estudos da leitura, usou o termo “leiturabilidade”, em estudos anteriores, para definir o que depois ele chamaria de legibilidade.
Aldrich e Fennell (1991) afirmam que um texto legível é aquele que é suficientemente grande e diferente para que o leitor discrimine entre palavras individuais e letras. Já um texto “readable”, é aquele que pode ser lido facilmente, de modo convidativo e prazeiroso para os olhos. O texto pode ser legível, mas se o leitor ficar entediado e cansado, o designer não terá obtido a máxima leiturabilidade (readability).
Zuzana Licko argumenta ainda que legibilidade tem a ver com o hábito ou seja, que as pessoas lêem melhor e mais rápido aquilo que estão acostumadas a ler. Se a forma das letras é muito excêntrica mas as pessoas tem o hábito de ler essa forma, a legibilidade não é afetada. Com isso, defende a idéia de que não importa quão complexa seja o tipo de letra, é apenas uma questão de tempo até que nos acostumemos com ela e então se torne “legível” (Emigre, 1990).
Já Gribbons (1993) diz que a legibilidade é definida Segundo 3 critérios: velocidade de leitura, fadiga visual e o nível de compreensão. Ele ainda separa a definição em dos tipos: legibilidade fisiológica (habilidade do leitor em perceber e decodificar um tipo de estilo de letra) e legibilidade estrutural (o uso da tipografia para comunicar a estrutura da informação.
FALTA DE VALIDADE ECOLÓGICA E INTERNA
Mas a falta de definição sobre legibilidade está relacionada às fraquezas presentes nas pesquisas que tentaram mensurá-la de forma objetiva.
Conforme Kinross aponta, a pesquisa sobre tipografia sofre pela falta de validade ecológica, ou seja, seus resultados não se aplicam em condições reais de leitura. Muitas das pesquisas feitas se baseavam no reconhecimento de letras isoladas, ao invés da inclusão em palavras ou em passagens de texto (KINROSS, 1992). Dentre as técnicas que ignoram o contexto de leitura estão a velocidade de percepção, perceptibilidade à distância, perceptibilidade na visão periférica, visibilidade, piscada reflexo, fadiga na leitura, movimentos dos olhos (TINKER, 1963).
Alguns pesquisadores que estudaram a legibilidade geralmente estudavam um fator sem perceber como ele se relacionava com outros dentro do contexto (SCHRIVER, 1997; LUND, 1999; ARDITI e CHO, 2005). O único contexto que interessava era saber se havia luz suficiente na sala para ver as formas das letras.
Embora não haja consenso sobre o que seja legibilidade ou mesmo sua mensuração, os pesquisadores concordam que as características tipográficas devem ser ajustadas com responsabilidade e que elas são interdependentes ou seja, são relacionadas entre si (WROLSTAD, 1970).
FATORES QUE AFETAM LEGIBILIDADE
Dentre essas características que afetam a legibilidade tipográfica estão: o interesse pelo texto, o conhecimento prévio da informação, a forma das letras, o tamanho das letras, a largura da linha, o espaço entre palavras, entre letras, entre linhas, o layout da página, o contraste figura fundo, a qualidade de impressão, dentre outros (WROLSTAD, 1970). A forma das letras, neste caso, é apenas um dos fatores que importa. Além disso, ela é um fator periférico no processo de leitura. Outros fatores como a “velocidade de pensamento”, que é um fator cognitivo, tem mais importância na leitura do que apenas o formato das letras e sua distintividade (CARVER, 1992). Wright pensa o mesmo, quando diz que os processos de informação ligados à informação sensorial na página impressa, são dominados por níveis de análise mais altos, conceituais e interpretativos (WRIGHT, 1978).
LEGISLAÇÃO SEM EFEITO
Portanto, a indefinição do termo “legível” e a falta de parâmetros que permitam descrever o quão legível um texto é, permitem avaliar como inócua a legislação que obriga médicos a escreverem de forma “legível” e clara.
Do ponto de vista dos médicos, legível é aquilo que pode ser lido. Como eles sempre conseguem ler a própria letra, então sua letra se encaixa na exigência da legislação médica.
Ao indicar que a única característica desejável de uma receita médica é a “legibilidade”, a legislação comete vários equívocos, tais como:
· Acreditar que a única qualidade necessária restringe-se à presença de legibilidade;
· Ignorar a qualidade realmente importante, que é a compreensibilidade, cujo teste só será feito numa situação real de leitura, com o farmacêutico lendo sua receita;
· Ignorar o fato de que a compreensão é dependente de uma série de fatores como: as experiências prévias de quem lê, a qualidade linguística, o processo de confecção da receita, o contexto de leitura, a estética, a credibilidade do médico, o valor de leitura, a leiturabilidade (incluindo estrutura da receita, retórica gráfica, aspectos perceptivos) e, apenas perifericamente, a legibilidade da forma da letra.
Apontar a legibilidade como único fator importante, para garantir o cumprimento da ordem prescritiva, torna a legislação hermética, uma caixa-preta, que não ajuda os médicos a avaliarem se sua prática se enquadra dentro do esperado e do necessário para garantir a segurança da comunicação no sistema de saúde.
Referências
Aldrich-Ruenzel, N. e J. Fennell, Eds. Designer’s Guide to Typography. New York: Watson-Guptill Publicationsed. 1991.
Arditi, A. e J. Cho. Serifs and font legibility. Vision Research, v.45, n.2005. 2005.
Brasil. Ministério da Saúde. Lei nº 5991, de 17 de dezembro de 1973. Estabelece o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 19 dez. 1973.
Carver, R. Reading rate: theory, research, and practical implications. Journal of Reading, v.36, n.2. 1992.
França, G. Comentário ao código de ética médica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 1994. 175 p.
Gribbons, W. Information Design: A Human Factors Approach to A New Typography. International Professional Communication Conference, 1993. p.
Interview with Zuzana Licko. Emigre 1990.
Kinross, R. Modern typography: An essay in critical theory. London: Hyphen Press. 1992
Kress, G. e T. van Leeuwen. Reading Images - The Grammar of Visual Design. London: Taylor & Francis Group. 1996
Lund, O. Knowledge Construction in Typography: the Case of Legibility Research and the Legibility of Sans Serif Typefaces. Teses de doutorado não-publicada, Department of Typography & Graphic Communication, The University of Reading. 1999.
Schriver, K. A. Dynamics in document design: John Wiley & Sons. 1997
Tinker, M. A. Legibility of print: Iowa State University Press, Ames. 1963
Wright, P. Feeding the information eaters: suggestions for integrating pure and applied research on language comprehension. Instructional Science, v.7. 1978.
Wrolstad, M. Methods of research into legibility and intelligibility. In: J. Dreyfus e R. Murat (Ed.). Typographic Opportunities in the Computer Age. Prague: Typografia, 1970. Methods of research into legibility and intelligibility, p.36-41